HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 306-314.
C. A História Mundial
§ 341
O elemento do ser-aí do espírito universal, (…) na arte é intuição e imagem, na religião, sentimento e representação, na filosofia, pensamento livre, puro, na história mundial é a efetividade espiritual em todo o seu âmbito de interioridade e exterioridade. (…) é um tribunal porque na sua universalidade sendo em si e para si o particular, os Penates, a sociedade civil-burguesa e os espíritos dos povos, (…) apenas são enquanto ideal, e o movimento do espírito nesse elemento é expor isso.
§ 342
A história mundial (…) não é mero tribunal de sua força, (…) a necessidade abstrata e irracional de um destino cego, (…) porque ele, em si e para si, é razão e, seu ser-para-si no espírito, saber, ela é o desenvolvimento necessário a partir apenas do conceito da sua liberdade, dos momentos da razão e (…) da sua autoconsciência e de sua liberdade, — a exposição e a efetivação do espírito universal.
§ 343
A história do espírito é seu ato, pois ele é apenas o que ele faz, e seu ato é fazer-se objeto da sua consciência e, aqui, (…) apreender-se expondo para si mesmo. Esse apreender é seu ser e seu princípio, e a perfeição de um apreender são (…) sua exteriorização e sua passagem. O espírito (…) apreende de novo esse apreender, (…) indo dentro de si a partir da exteriorização, é o espírito do grau superior frente a si, tal como ele estava naquele primeiro apreender.
Aqui intervém a questão da perfectibilidade e da educação da humanidade. Aqueles que afirmaram essa perfectibilidade pressentiram algo da natureza do espírito, de sua natureza de ter como lei do seu ser o conhece-te a ti mesmo, (…) visto que ele apreende o que ele é, o de ser uma figura mais elevada do que a (…) que constituía seu ser. Mas, para os que recusam esse pensamento, o espírito permaneceu uma palavra vazia, assim como a história um jogo superficial de esforços e de paixões contingentes (…) apenas humanas. Quando (…) também (…) enunciam, nas expressões de providência e de plano (…), a crença em um governo superior, (…) essas permanecem representações incompletas, (…) eles (…) fazem passar (…) o plano da providência por algo incognoscível e inconceituável.
§ 344
Os Estados, os povos e os indivíduos, nessa ocupação do espírito do mundo, erguem-se em seu princípio particular determinado, que tem sua exposição e (…) efetividade em sua constituição e na total amplitude de sua situação, dos quais eles são conscientes e estão imersos no seu interesse, (…) em que são instrumentos inconscientes e membros dessa ocupação interna, (…) essas figuras perecem, mas na qual o espírito, em si e para si, prepara e consegue (…) a passagem para seu próximo grau superior.
§ 345
Justiça e virtude, ilicitude, violência e vício, talentos e atos, as pequenas e as grandes paixões, culpa e inocência, magnificência da vida individual e da vida do povo, autonomia, felicidade e infelicidade dos Estados e dos singulares têm sua significação e seu valor determinados na esfera da efetividade consciente e encontram nisso seu juízo e sua justiça, toda imperfeita. A história mundial cai fora desses pontos de vista; nela aquele momento necessário da ideia do espírito do mundo, (…) atualmente seu grau, recebe seu direito absoluto, e o povo que aí vive e seus atos recebem seu cumprimento, felicidade e glória.
§ 346
(…) a história é a configuração do espírito na forma do acontecer, da efetividade natural imediata, assim os graus de desenvolvimento estão ali presentes enquanto princípios naturais imediatos, e esses, porque (…) são naturais, são (…) uma pluralidade um fora do outro, (…) de modo que a um povo corresponde um dos mesmos [princípios], — [é] sua existência geográfica e antropológica.
§ 347
Ao povo, a que compete tal momento como princípio natural, é confiada a execução do mesmo no progresso da autoconsciência do espírito do mundo que se desenvolve. Na história mundial, esse povo é, para essa época, — e pode fazer época nela apenas uma vez, — o dominante. Frente a esse seu direito absoluto, (…) ser o portador do atual grau de desenvolvimento do espírito do mundo, os espíritos dos outros povos estão sem direito, e eles, (…) não contam mais na história mundial.
A história especial de um povo histórico mundial contém, (…) o desenvolvimento de seu princípio desde sua situação infantil envolvida até seu florescimento, em que, chegado à livre autoconsciência ética, ingressa (…) na história universal, — (…) também o período da decadência e da corrupção; — pois assim se assinala nele o surgimento de um princípio superior, enquanto apenas o negativo de seu próprio [princípio]. (…) é indicada a passagem do espírito naquele princípio e, assim, a da história mundial para outro povo, — um período do qual aquele povo perdeu o interesse absoluto (…) admite também o princípio superior positivamente dentro de si e o assimila, mas ali se comporta, (…) não com uma vitalidade e um frescor imanentes, — talvez perca sua autonomia, talvez também prossiga ou arraste seu curso como Estado particular ou um círculo de Estados se debata (…) em múltiplas buscas internas e lutas externas.
§ 348
No ápice de todas as ações, (…) também as das ações histórico-mundiais, situam-se indivíduos, enquanto subjetividade que efetivam o substancial (…). Enquanto essas vitalidades do ato substancial do espírito do mundo e (…) imediatamente idênticas com o mesmo, ela lhes é oculta e não lhes é objeto e fim; eles têm (…) a honra do mesmo [ato] e a gratidão em seus contemporâneos (…), não ainda na opinião pública da posteridade, porém enquanto subjetividades formais apenas têm nessa opinião sua parte, enquanto glória imortal.
§ 349
Um povo inicialmente ainda não é um Estado, (…) a passagem de uma família, horda, tribo, multidão etc. à situação de um Estado constitui a realização formal da ideia (…) nele. Sem essa forma, falta a ele, enquanto substância ética, que é em si, a objetividade de ter nas leis, (…) determinação pensada, um ser-aí universal e universalmente válido para si e para os outros, (…) por isso não é reconhecido; sua autonomia, (…) sem legalidade objetiva e racionalidade estável para si, é apenas formal, não é soberania.
(…) na representação habitual, não se denomina constituição uma situação patriarcal, nem Estado um povo nessa situação, nem soberania sua independência. (…) antes do começo da história efetiva, incide, (…) a inocência apática, desinteressada e, (…) a valentia da luta formal do reconhecimento e da vingança.
§ 350
O direito absoluto da ideia é destacar-se nas determinações legais e nas instituições objetivas, a partir do casamento e da agricultura, quer a forma dessa sua efetivação apareça como legislação e benefício divinos, ou como violência e ilicitude; — esse direito é o direito dos heróis para a fundação de Estados.
§ 351
(…) sucede que as nações civilizadas consideram e tratam outras nações, que lhes estão atrás nos momentos substanciais do Estado (os povos pastores frente aos povos caçadores […]), como bárbaros, com a consciência de um direito desigual, e consideram e tratam sua autonomia como algo formal.
Por isso, nas guerras e nos conflitos que surgem sob tais relações, o momento pelo qual eles são lutas pelo reconhecimento em vinculação com um conteúdo determinado constitui o traço que lhes dá uma significação para a história mundial.
§ 352
As ideias concretas, os espíritos dos povos, têm sua verdade e sua determinação na ideia concreta, tal como ela é a universalidade absoluta, — no espírito do mundo, ao redor de cujo trono elas se encontram como executoras de sua efetivação e (…) testemunhos (…) de sua magnificência. Visto que ele como espírito apenas é o movimento de sua atividade de saber-se absolutamente, com isso, de libertar sua consciência da forma da imediatidade natural e de chegar a si mesmo, (…) os princípios das configurações dessa autoconsciência no curso de sua libertação, — os dos reinos histórico-mundiais, são quatro.
§ 353
No primeiro, (…) revelação imediata, (…) tem por princípio a figura do espírito substancial, enquanto a identidade, em que a singularidade mergulha em sua essência e permanece para si ilegitimada.
O segundo princípio é o saber desse espírito substancial, (…) ele é o conteúdo e o cumprimento positivos e o ser-para-si enquanto a forma vivente do mesmo, a bela individualidade ética.
O terceiro é o aprofundar dentro de si do ser-para-si que sabe até a universalidade abstrata e, com isso, até a oposição infinita frente à objetividade, (…) igualmente abandonada pelo espírito.
O princípio da quarta configuração é o converter dessa oposição (…) para acolher, em sua interioridade, sua verdade e sua essência concreta e para estar em sua terra e reconciliado na objetividade e, porque esse espírito retornado à substancialidade primeira é o (…) que voltou da oposição infinita, (…) para produzir e para saber sua verdade enquanto pensamento e (…) mundo de efetividade legal.
§ 354
Segundo esses quatro princípios, os reinos histórico-mundiais são quatro: 1. o oriental, 2. o grego, 3. o romano, 4. o germânico.
§ 355
- O Reino Oriental
(…) é a visão do mundo substancial, indivisa dentro de si, que procede do todo natural patriarcal[;] (…) o governo do mundo é teocracia, o soberano é (…) sumo sacerdote ou deus, a constituição do Estado e a legislação são, ao mesmo tempo, religião, assim como os imperativos ou (…) os usos religiosos e morais são igualmente leis do Estado e do direito. (…) a personalidade individual soçobra sem direito, a natureza externa é imediatamente divina (…), e a história da efetividade é poesia. As diferenças que se desenvolvem, segundo os diversos aspectos dos costumes, do governo e do Estado, tornam-se, no lugar das leis, junto de costumes simples, cerimônias (…), — contingências de violência pessoal e de dominação arbitrária, e (…) estamentos torna-se uma rigidez natural de castas. (…) o Estado oriental apenas é vivo em seu movimento, que, — dirige-se para o exterior (…); a tranquilidade interior é uma vida privada (…).
O princípio da subjetividade e da liberdade autoconsciente é (…) igualmente na nação germânica, todavia, (…) esse princípio é conduzido apenas até onde ele aparece, (…) enquanto mobilidade inquieta, arbítrio humano e corrupção, (…) em sua figura particular enquanto ânimo, e não se desenvolveu até a objetividade da substancialidade autoconsciente, até a legalidade orgânica.
§ 356
(…) tem aquela unidade substancial do finito e do infinito, mas apenas por fundamento misterioso, reprimido em lembrança apática, em cavernas e (…) imagens da tradição, (…) nascido do espírito que se diferencia até a espiritualidade individual e à luz do saber é moderado e transfigurado em beleza e em eticidade livre e serena. (…) nessa determinação, o princípio da individualidade pessoal eleva-se enquanto não está ainda imbuído de si mesmo, porém mantido em sua unidade ideal; — (…) o todo decompõe-se em um círculo de espíritos de povos particulares, (…) por um lado, a decisão última da vontade não está ainda colocada na subjetividade da autoconsciência sendo para si, porém colocada em uma força que é superior e fora da mesma [autoconsciência], e, por outro lado, a particularidade pertencente ao carecimento não é ainda admitida na liberdade, (…) é excluída num estamento de escravos.
§ 357
(…) a diferenciação completa-se até a dilaceração infinita da vida ética nos extremos da autoconsciência privada pessoal e da universalidade abstrata. Partindo da intuição substancial de uma aristocracia frente ao princípio da personalidade livre na forma democrática, a contraposição desenvolve-se (…) até a superstição e a afirmação de uma violência ávida, fria, e (…) até a corrupção de uma populaça, e a dissolução do todo termina na infelicidade universal e na morte da vida ética, na qual a individualidade dos povos perecem na unidade de um Panteão, todos os singulares decaem ao nível de pessoas privadas e iguais, com direitos formais, os quais (…) apenas mantêm unidos um arbítrio abstrato (…).
§ 358
A partir dessa perda de si mesmo e de seu mundo e da dor infinita da mesma, como o povo israelita fora preparado, o espírito reprimido dentro de si apreende, no extremo de sua negatividade absoluta, no ponto de inflexão sendo em si e para si, a positividade infinita desse seu interno, o princípio da unidade da natureza humana e divina, a reconciliação enquanto verdade e liberdade objetivas que apareceram no interior da autoconsciência e da subjetividade, que para realizar-se foi confiada ao princípio nórdico dos povos germânicos.
§ 359
A interioridade do princípio, (…) reconciliação e dissolução de toda oposição, ainda abstratas, que existem no sentimento (…) desdobra seu conteúdo para elevá-lo à efetividade e à racionalidade autoconsciente, a um reino mundano, procedente do ânimo, da fidelidade e da associação cooperativa de livres, que nessa sua subjetividade é (…) um reino do arbitrário rude sendo para si e da barbárie dos costumes — frente a um mundo do além, a um reino intelectual, cujo conteúdo é (…) aquela verdade de seu espírito, mas, enquanto ainda impensada, está envolta na barbárie da representação e, enquanto força espiritual sobre o ânimo efetivo, (…) uma violência terrível não-livre contra a mesma.
§ 360
Visto que — na luta árdua desses reinos na diferença, que (…) alcança sua contraposição absoluta, e ao mesmo tempo enraizados em uma unidade e ideia, — o espiritual degrada a existência de seu céu em um aquém terreno e em uma mundanidade comum, na efetividade e na representação, ao contrário, o mundano eleva seu ser-para-si abstrato até o pensamento e o princípio do ser e do saber racionais até a racionalidade do direito e da lei, é a oposição em si que desaparece em uma figura sem marco; o presente despoja-se de sua barbárie e (…) violência contingente, que desdobra o Estado até ser a imagem e a efetividade da razão, no qual a autoconsciência encontra no desenvolvimento orgânico a efetividade de seu saber e de seu querer substanciais, (…) como encontra na religião o sentimento e a representação dessa sua verdade enquanto essencialidade ideal, mas é na ciência que encontra o conhecimento livre, conceituado dessa verdade, (…) uma e a mesma em suas manifestações que se completam, o Estado, a natureza e o mundo das ideias.
[Arte: A lamentação para Ícaro (1898) por Herbert James Draper]