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Filosofia do Direito [Terceira Seção – X]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 306-314.

C. A História Mundial  

§ 341

                O elemento do ser-aí do espírito universal, (…) na arte é intuição e imagem, na religião, sentimento e representação, na filosofia, pensamento livre, puro, na história mundial é a efetividade espiritual em todo o seu âmbito de interioridade e exterioridade. (…) é um tribunal porque na sua universalidade sendo em si e para si o particular, os Penates, a sociedade civil-burguesa e os espíritos dos povos, (…) apenas são enquanto ideal, e o movimento do espírito nesse elemento é expor isso.

§ 342

                A história mundial (…) não é mero tribunal de sua força, (…) a necessidade abstrata e irracional de um destino cego, (…) porque ele, em si e para si, é razão e, seu ser-para-si no espírito, saber, ela é o desenvolvimento necessário a partir apenas do conceito da sua liberdade, dos momentos da razão e (…) da sua autoconsciência e de sua liberdade, — a exposição e a efetivação do espírito universal.

§ 343

                A história do espírito é seu ato, pois ele é apenas o que ele faz, e seu ato é fazer-se objeto da sua consciência e, aqui, (…) apreender-se expondo para si mesmo. Esse apreender é seu ser e seu princípio, e a perfeição de um apreender são (…) sua exteriorização e sua passagem. O espírito (…) apreende de novo esse apreender, (…) indo dentro de si a partir da exteriorização, é o espírito do grau superior frente a si, tal como ele estava naquele primeiro apreender.

                               Aqui intervém a questão da perfectibilidade e da educação da humanidade. Aqueles que afirmaram essa perfectibilidade pressentiram algo da natureza do espírito, de sua natureza de ter como lei do seu ser o conhece-te a ti mesmo, (…) visto que ele apreende o que ele é, o de ser uma figura mais elevada do que a (…) que constituía seu ser. Mas, para os que recusam esse pensamento, o espírito permaneceu uma palavra vazia, assim como a história um jogo superficial de esforços e de paixões contingentes (…) apenas humanas. Quando (…) também (…) enunciam, nas expressões de providência e de plano (…), a crença em um governo superior, (…) essas permanecem representações incompletas, (…) eles (…) fazem passar (…) o plano da providência por algo incognoscível e inconceituável.

§ 344

                Os Estados, os povos e os indivíduos, nessa ocupação do espírito do mundo, erguem-se em seu princípio particular determinado, que tem sua exposição e (…) efetividade em sua constituição e na total amplitude de sua situação, dos quais eles são conscientes e estão imersos no seu interesse, (…) em que são instrumentos inconscientes e membros dessa ocupação interna, (…) essas figuras perecem, mas na qual o espírito, em si e para si, prepara e consegue (…) a passagem para seu próximo grau superior.

§ 345

                Justiça e virtude, ilicitude, violência e vício, talentos e atos, as pequenas e as grandes paixões, culpa e inocência, magnificência da vida individual e da vida do povo, autonomia, felicidade e infelicidade dos Estados e dos singulares têm sua significação e seu valor determinados na esfera da efetividade consciente e encontram nisso seu juízo e sua justiça, toda imperfeita. A história mundial cai fora desses pontos de vista; nela aquele momento necessário da ideia do espírito do mundo, (…) atualmente seu grau, recebe seu direito absoluto, e o povo que aí vive e seus atos recebem seu cumprimento, felicidade e glória.

§ 346

                (…) a história é a configuração do espírito na forma do acontecer, da efetividade natural imediata, assim os graus de desenvolvimento estão ali presentes enquanto princípios naturais imediatos, e esses, porque (…) são naturais, são (…) uma pluralidade um fora do outro, (…) de modo que a um povo corresponde um dos mesmos [princípios], — [é] sua existência geográfica e antropológica.

§ 347

                Ao povo, a que compete tal momento como princípio natural, é confiada a execução do mesmo no progresso da autoconsciência do espírito do mundo que se desenvolve. Na história mundial, esse povo é, para essa época, — e pode fazer época nela apenas uma vez, — o dominante. Frente a esse seu direito absoluto, (…) ser o portador do atual grau de desenvolvimento do espírito do mundo, os espíritos dos outros povos estão sem direito, e eles, (…) não contam mais na história mundial.

                               A história especial de um povo histórico mundial contém, (…) o desenvolvimento de seu princípio desde sua situação infantil envolvida até seu florescimento, em que, chegado à livre autoconsciência ética, ingressa (…) na história universal, — (…) também o período da decadência e da corrupção; — pois assim se assinala nele o surgimento de um princípio superior, enquanto apenas o negativo de seu próprio [princípio]. (…) é indicada a passagem do espírito naquele princípio e, assim, a da história mundial para outro povo, — um período do qual aquele povo perdeu o interesse absoluto (…) admite também o princípio superior positivamente dentro de si e o assimila, mas ali se comporta, (…) não com uma vitalidade e um frescor imanentes, — talvez perca sua autonomia, talvez também prossiga ou arraste seu curso como Estado particular ou um círculo de Estados se debata (…) em múltiplas buscas internas e lutas externas.

§ 348

                No ápice de todas as ações, (…) também as das ações histórico-mundiais, situam-se indivíduos, enquanto subjetividade que efetivam o substancial (…). Enquanto essas vitalidades do ato substancial do espírito do mundo e (…) imediatamente idênticas com o mesmo, ela lhes é oculta e não lhes é objeto e fim; eles têm (…) a honra do mesmo [ato] e a gratidão em seus contemporâneos (…), não ainda na opinião pública da posteridade, porém enquanto subjetividades formais apenas têm nessa opinião sua parte, enquanto glória imortal.

§ 349

                Um povo inicialmente ainda não é um Estado, (…) a passagem de uma família, horda, tribo, multidão etc. à situação de um Estado constitui a realização formal da ideia (…) nele. Sem essa forma, falta a ele, enquanto substância ética, que é em si, a objetividade de ter nas leis, (…) determinação pensada, um ser-aí universal e universalmente válido para si e para os outros, (…) por isso não é reconhecido; sua autonomia, (…) sem legalidade objetiva e racionalidade estável para si, é apenas formal, não é soberania.

                               (…) na representação habitual, não se denomina constituição uma situação patriarcal, nem Estado um povo nessa situação, nem soberania sua independência. (…) antes do começo da história efetiva, incide, (…) a inocência apática, desinteressada e, (…) a valentia da luta formal do reconhecimento e da vingança.

§ 350

                O direito absoluto da ideia é destacar-se nas determinações legais e nas instituições objetivas, a partir do casamento e da agricultura, quer a forma dessa sua efetivação apareça como legislação e benefício divinos, ou como violência e ilicitude; — esse direito é o direito dos heróis para a fundação de Estados.

§ 351

                (…) sucede que as nações civilizadas consideram e tratam outras nações, que lhes estão atrás nos momentos substanciais do Estado (os povos pastores frente aos povos caçadores […]), como bárbaros, com a consciência de um direito desigual, e consideram e tratam sua autonomia como algo formal.

                               Por isso, nas guerras e nos conflitos que surgem sob tais relações, o momento pelo qual eles são lutas pelo reconhecimento em vinculação com um conteúdo determinado constitui o traço que lhes dá uma significação para a história mundial.

§ 352

                As ideias concretas, os espíritos dos povos, têm sua verdade e sua determinação na ideia concreta, tal como ela é a universalidade absoluta, — no espírito do mundo, ao redor de cujo trono elas se encontram como executoras de sua efetivação e (…) testemunhos (…) de sua magnificência. Visto que ele como espírito apenas é o movimento de sua atividade de saber-se absolutamente, com isso, de libertar sua consciência da forma da imediatidade natural e de chegar a si mesmo, (…) os princípios das configurações dessa autoconsciência no curso de sua libertação, — os dos reinos histórico-mundiais, são quatro.

§ 353

                No primeiro, (…) revelação imediata, (…) tem por princípio a figura do espírito substancial, enquanto a identidade, em que a singularidade mergulha em sua essência e permanece para si ilegitimada.

                O segundo princípio é o saber desse espírito substancial, (…) ele é o conteúdo e o cumprimento positivos e o ser-para-si enquanto a forma vivente do mesmo, a bela individualidade ética.

                O terceiro é o aprofundar dentro de si do ser-para-si que sabe até a universalidade abstrata e, com isso, até a oposição infinita frente à objetividade, (…) igualmente abandonada pelo espírito.

                O princípio da quarta configuração é o converter dessa oposição (…) para acolher, em sua interioridade, sua verdade e sua essência concreta e para estar em sua terra e reconciliado na objetividade e, porque esse espírito retornado à substancialidade primeira é o (…) que voltou da oposição infinita, (…) para produzir e para saber sua verdade enquanto pensamento e (…) mundo de efetividade legal.

§ 354

                Segundo esses quatro princípios, os reinos histórico-mundiais são quatro: 1. o oriental, 2. o grego, 3. o romano, 4. o germânico.

§ 355

  1. O Reino Oriental

(…) é a visão do mundo substancial, indivisa dentro de si, que procede do todo natural patriarcal[;] (…) o governo do mundo é teocracia, o soberano é (…) sumo sacerdote ou deus, a constituição do Estado e a legislação são, ao mesmo tempo, religião, assim como os imperativos ou (…) os usos religiosos e morais são igualmente leis do Estado e do direito. (…) a personalidade individual soçobra sem direito, a natureza externa é imediatamente divina (…), e a história da efetividade é poesia. As diferenças que se desenvolvem, segundo os diversos aspectos dos costumes, do governo e do Estado, tornam-se, no lugar das leis, junto de costumes simples, cerimônias (…), — contingências de violência pessoal e de dominação arbitrária, e (…) estamentos torna-se uma rigidez natural de castas. (…) o Estado oriental apenas é vivo em seu movimento, que, — dirige-se para o exterior (…); a tranquilidade interior é uma vida privada (…).

                O princípio da subjetividade e da liberdade autoconsciente é (…) igualmente na nação germânica, todavia, (…) esse princípio é conduzido apenas até onde ele aparece, (…) enquanto mobilidade inquieta, arbítrio humano e corrupção, (…) em sua figura particular enquanto ânimo, e não se desenvolveu até a objetividade da substancialidade autoconsciente, até a legalidade orgânica.

§ 356

  • O Reino Grego

(…) tem aquela unidade substancial do finito e do infinito, mas apenas por fundamento misterioso, reprimido em lembrança apática, em cavernas e (…) imagens da tradição, (…) nascido do espírito que se diferencia até a espiritualidade individual e à luz do saber é moderado e transfigurado em beleza e em eticidade livre e serena. (…) nessa determinação, o princípio da individualidade pessoal eleva-se enquanto não está ainda imbuído de si mesmo, porém mantido em sua unidade ideal; — (…) o todo decompõe-se em um círculo de espíritos de povos particulares, (…) por um lado, a decisão última da vontade não está ainda colocada na subjetividade da autoconsciência sendo para si, porém colocada em uma força que é superior e fora da mesma [autoconsciência], e, por outro lado, a particularidade pertencente ao carecimento não é ainda admitida na liberdade, (…) é excluída num estamento de escravos.

§ 357

  • O Reino Romano

(…) a diferenciação completa-se até a dilaceração infinita da vida ética nos extremos da autoconsciência privada pessoal e da universalidade abstrata. Partindo da intuição substancial de uma aristocracia frente ao princípio da personalidade livre na forma democrática, a contraposição desenvolve-se (…) até a superstição e a afirmação de uma violência ávida, fria, e (…) até a corrupção de uma populaça, e a dissolução do todo termina na infelicidade universal e na morte da vida ética, na qual a individualidade dos povos perecem na unidade de um Panteão, todos os singulares decaem ao nível de pessoas privadas e iguais, com direitos formais, os quais (…) apenas mantêm unidos um arbítrio abstrato (…).

§ 358

  • O Reino Germânico

A partir dessa perda de si mesmo e de seu mundo e da dor infinita da mesma, como o povo israelita fora preparado, o espírito reprimido dentro de si apreende, no extremo de sua negatividade absoluta, no ponto de inflexão sendo em si e para si, a positividade infinita desse seu interno, o princípio da unidade da natureza humana e divina, a reconciliação enquanto verdade e liberdade objetivas que apareceram no interior da autoconsciência e da subjetividade, que para realizar-se foi confiada ao princípio nórdico dos povos germânicos.

§ 359

                A interioridade do princípio, (…) reconciliação e dissolução de toda oposição, ainda abstratas, que existem no sentimento (…) desdobra seu conteúdo para elevá-lo à efetividade e à racionalidade autoconsciente, a um reino mundano, procedente do ânimo, da fidelidade e da associação cooperativa de livres, que nessa sua subjetividade é (…) um reino do arbitrário rude sendo para si e da barbárie dos costumes — frente a um mundo do além, a um reino intelectual, cujo conteúdo é (…) aquela verdade de seu espírito, mas, enquanto ainda impensada, está envolta na barbárie da representação e, enquanto força espiritual sobre o ânimo efetivo, (…) uma violência terrível não-livre contra a mesma.

§ 360

                Visto que — na luta árdua desses reinos na diferença, que (…) alcança sua contraposição absoluta, e ao mesmo tempo enraizados em uma unidade e ideia, — o espiritual degrada a existência de seu céu em um aquém terreno e em uma mundanidade comum, na efetividade e na representação, ao contrário, o mundano eleva seu ser-para-si abstrato até o pensamento e o princípio do ser e do saber racionais até a racionalidade do direito e da lei, é a oposição em si que desaparece em uma figura sem marco; o presente despoja-se de sua barbárie e (…) violência contingente, que desdobra o Estado até ser a imagem e a efetividade da razão, no qual a autoconsciência encontra no desenvolvimento orgânico a efetividade de seu saber e de seu querer substanciais, (…) como encontra na religião o sentimento e a representação dessa sua verdade enquanto essencialidade ideal, mas é na ciência que encontra o conhecimento livre, conceituado dessa verdade, (…) uma e a mesma em suas manifestações que se completam, o Estado, a natureza e o mundo das ideias.

[Arte: A lamentação para Ícaro (1898) por Herbert James Draper]

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Filosofia do Direito [Terceira Seção – IX]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 301-306.

B. O Direito Estatal Externo

§ 330

                O direito estatal externo procede das relações de Estados autônomos; o que é em si e para si no mesmo recebe (…) a forma do dever-ser, porque o fato de que ele seja efetivo repousa em vontades soberanas diferenciadas.

§ 331

                O povo enquanto Estado é o espírito em sua racionalidade substancial e em sua efetividade imediata, por isso a força absoluta sobre a terra; um Estado está (…) em face a outros na autonomia soberana. Ser enquanto tal para outro, (…) ser reconhecido por ele, é sua primeira legitimação absoluta. (…) essa legitimação é (…) apenas formal, (…) a exigência desse reconhecimento (…) meramente porque ele seja tal, é abstrata; que ele seja de fato tal sendo em si e para isso (…) depende de seu conteúdo, de sua constituição, de sua situação, e o reconhecimento, enquanto contém uma identidade de ambos, repousa na mesma maneira de ver e na vontade do outro.

                               Assim como o [indivíduo] singular não é uma pessoa efetiva sem a relação com outras pessoas (§ 71 e outros), (…) tampouco o Estado é um indivíduo efetivo sem a relação com outros Estados. A legitimidade de um Estado (…), na medida em que ele está voltado para fora, seu poder de príncipe é (…) uma relação que se vincula inteiramente para dentro (um Estado não deve se imiscuir nos assuntos internos de outro), — (…) é preciso também essencialmente que ela se torne completada pelo reconhecimento dos outros Estados. (…) esse reconhecimento exige uma garantia de que ele reconheça os outros, que devem reconhecê-lo, (…) de que eles sejam respeitados em sua autonomia e, com isso, não lhe pode ser indiferente o que ocorre em seu interior. […]. O ponto de vista religioso (outrora no povo judaico e nos povos maometanos) pode ainda conter uma oposição mais elevada, que não admite a identidade universal que pertence ao reconhecimento.

§ 332

                A efetividade imediata, (…) os Estados (…) uns em relação aos outros, particulariza-se em relações múltiplas, cuja determinação procede de uma parte e de outra do arbítrio autônomo e tem (…) a natureza formal de contratos (…). Todavia, a matéria desses (…) é de uma multiplicidade infinitamente menor do que na sociedade civil-burguesa, em que os singulares estão em dependência recíproca (…), visto que, pelo contrário, os Estados autônomos são principalmente totalidades que se satisfazem dentro de si.

§ 333

                O princípio fundamental do direito dos povos, (…) direito universal que deve valer em si e para si entre os Estados, é, diferentemente do conteúdo particular dos tratados positivos, que os tratados, enquanto neles repousam as obrigatoriedades dos Estados uns frente aos outros, devem ser observados. (…) porque suas relações têm por princípio sua soberania, (…) estão (…) em estado de natureza uns frente aos outros, e seus direitos têm sua efetividade não em uma vontade universal constituída como força sobre eles, porém em sua vontade particular. Por isso aquela determinação universal permanece no dever-ser, e a situação torna-se uma alternância da relação conforme aos tratados e da suprassunção da mesma.

                               Entre os Estados não há pretor, no máximo um árbitro e um mediador, e também esse apenas de modo contingente, (…) segundo vontades particulares. A representação kantiana de uma paz perpétua, mediante uma liga de Estados, que arbitraria todo litígio e regularia toda desavença (…) e, com isso, tornaria impossível a decisão pela guerra, pressupõe a concordância dos Estados, que repousaria em razões (…) morais, religiosas ou outras (…), repousaria sempre na vontade soberana particular e, por isso, (…) afetada de contingência.

§ 334

                (…) o litígio dos Estados, à medida que as vontades particulares não encontram nenhum acordo, apenas pode ser decidido mediante a guerra. Mas quais violações, (…) que (…) sejam consideradas como ruptura determinada dos tratados ou como violação do reconhecimento e da honra, (…) permanece algo indeterminável em si, visto que um Estado pode colocar sua infinitude e sua honra em cada uma de suas singularidades e que está tanto mais inclinado a essa suscetibilidade quanto mais uma forte individualidade é levada, por uma longa tranquilidade interna, a buscar e a criar externamente uma matéria de atividade.

§ 335

                Além disso, o Estado como [ser] espiritual (…) não pode ater-se a querer considerar meramente a efetividade da violação, (…) a isso se acrescenta, como causa de contendas, a representação de uma tal [violação] como um perigo ameaçador de um Estado ao outro, com o aumentar e o diminuir (…) das probabilidades das suposições de intenções etc.

§ 336

                Visto que os Estados em sua relação de autonomia são enquanto vontades particulares uns frente aos outros e a validade dos tratados, ela mesma, repousa nisso, mas a vontade particular do todo é, segundo seu conteúdo, seu bem-estar geral, assim essa é a lei suprema em seu comportamento com os outros, (…) a ideia do Estado é precisamente nela a oposição entre o direito enquanto liberdade abstrata e o conteúdo particular que a preenche, o bem-estar, seria suprassumido, e o primeiro reconhecimento dos Estados dirige-se a ela enquanto totalidade concreta.

§ 337

                O bem-estar substancial do Estado é seu bem-estar enquanto um Estado particular no seu interesse e na sua situação determinados e (…) nas circunstâncias externas próprias, (…) com as relações particulares dos tratados; (…) o governo é uma sabedoria particular, não a providência universal, — assim como o fim nas relações com os outros Estados e o princípio para a justiça das guerras e dos tratados não é um pensamento universal (filantrópico), (…) é o bem-estar efetivamente ofendido ou ameaçado em sua particularidade determinada.

                               Houve um tempo em que muito se comentou a oposição entre moral e política e a exigência de que a segunda seja conforme à primeira. Sobre isso é de ser observar, em geral, apenas que o bem-estar do Estado tem sua legitimação totalmente outra do bem-estar do [indivíduo] singular e que a substância ética, o Estado, tem seu ser-aí, (…) seu direito imediatamente, não em uma existência abstrata, porém em uma (…) concreta, (…) que apenas essa existência concreta, e não um dos muitos pensamentos universais que são tidos por imperativos morais, pode ser princípio de seu agir e de seu comportamento.

§ 338

                No fato de que os Estados se reconhecem reciprocamente como tais, também na guerra, permanece a (…) ausência de direito, de violência e de contingência, um laço em que eles valem uns para os outros sendo em si e para si, de modo que, na guerra mesma, a guerra é determinada como algo que deve ser passageiro. (…) ela contém a determinação do direito dos povos de que nela a possibilidade da paz seja preservada, (…) por exemplo, os embaixadores sejam respeitados e (…) que ela não seja conduzida contra as instituições internas e a vida familiar e privada pacífica, contra as pessoas privadas.

§ 339

                (…) o comportamento recíproco [dos Estados] na guerra (por exemplo, que se façam prisioneiros) e o que, na paz, um Estado concede aos concidadãos de um outro [em matéria] de direitos para o comércio privado etc., isso repousa (…) nos costumes das nações, enquanto universalidade interna da conduta que se mantém em todas as relações.

§ 340

                Na relação dos Estados uns frente aos outros, porque eles estão aí como particulares, entra o jogo extremamente móvel da particularidade interna das paixões, dos interesses, dos fins, dos talentos e das virtudes, da violência, do ilícito e dos vícios, (…) como o da contingência externa nas maiores dimensões do fenômeno, — um jogo no qual a totalidade ética (…), a autonomia do Estado, está exposta à contingência. Os princípios dos espíritos dos povos, por causa de sua particularidade, em que eles têm sua efetividade objetiva e sua autoconsciência enquanto indivíduos existentes, são, (…) delimitados, e seus destinos e seus atos, (…) são a dialética fenomênica da finitude desses espíritos, a partir do qual o espírito universal, o espírito do mundo, produz-se tanto como indelimitado quanto é ele que exerce neles seu direito, — e seu direito é o mais elevado de todos, — na história mundial, enquanto tribunal do mundo.

[Artwork: Hannibal in the Alps (between 1649 and 1677) by Pauwels Casteels]

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Filosofia do Direito [Terceira Seção – Parte VIII]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 296-301.

II. A Soberania Externa

§ 321

                A soberania interna é essa idealidade, (…) os momentos do espírito e de sua efetividade, do Estado, são desdobrados em sua necessidade e subsistem enquanto membros do mesmo. (…) o espírito, (…) vinculação infinitamente negativa a si na liberdade, é (…) essencialmente ser-para-si, que assumiu dentro de si a diferença subsistente e é, com isso, excludente. O Estado tem, nessa determinação, individualidade, (…) essencialmente enquanto indivíduo e (…) no soberano é (…) indivíduo efetivo, imediato.

§ 322

                A individualidade, (…) ser-para-si excludente, aparece com relação a outros Estados, cada um (…) é autônomo (…). (…) nessa autonomia o ser-para-si do espírito efetivo tem seu ser-aí, (…) é a primeira liberdade e a honra suprema de um povo.

                               Aqueles que falam de desejos de uma coletividade, que constitui um Estado mais ou menos autônomo e que tem um centro próprio, — de desejos de perder esse centro e sua autonomia, a fim de constituir um todo com um outro [—], sabem pouco da natureza de uma coletividade e do sentimento de si que um povo tem em sua independência. — (…) o primeiro poder em que os Estados historicamente se apresentam (…) é essa autonomia, mesmo quando (…) totalmente abstrata e não tem nenhum desenvolvimento interno posterior; pertence a esse fenômeno originário que um indivíduo se mantenha no vértice (…).

§ 323

                No ser-aí, essa vinculação negativa do Estado consigo aparece como a (…) de um outro e como se o negativo fosse algo exterior. A existência dessa vinculação negativa tem (…) a figura de um acontecer e do entrelaçamento com eventos contingentes que vêm de fora. Mas ela é seu momento próprio supremo, — sua infinitude efetiva enquanto a idealidade de todo finito nele, — o aspecto em que a substância, (…) força absoluta contra todo singular e particular, contra a vida, a propriedade e os seus direitos, assim como contra os demais círculos, traz a nulidade dos mesmos ao ser-aí e à consciência.

§ 324

                Essa determinação, com a qual o interesse e o direito dos [indivíduos] singulares são postos como um momento evanescente, é simultaneamente o positivo, (…) não sua individualidade contingente e mutável, porém sua individualidade sendo em si e para si. (…) essa relação e o reconhecimento da mesma são sua obrigação substancial — (…) de conservar essa individualidade substancial, a independência e a soberania do Estado pelo perigo e sacrifício de sua propriedade e de sua vida, (…) de seu opinar e de tudo o que, de si, está (…) no âmbito da vida.

                               Há um cálculo muito equivocado, quando, na exigência desse sacrifício, o Estado é considerado apenas como sociedade civil-burguesa e como seu fim último apenas a garantia da vida e da propriedade (…); pois essa garantia não é alcançada pelo sacrifício do que deve ser garantido; — ao contrário. — (…) reside o momento ético da guerra, que não é de se considerar como um mal absoluto e como (…) mera contingência exterior, que teria seu fundamento (…) nas paixões dos poderosos ou dos povos, nas injustiças etc., (…) no que não deve ser. O que é da natureza do contingente vem de encontro ao contingente, e (…) esse destino é (…) a necessidade, (…). É necessário que o finito, a posse e a vida sejam postos como contingentes, porque esse é o conceito do finito. Essa necessidade, de uma parte, tem a figura do poder da natureza, e tudo o que é finito é mortal e perecível. Mas, na essência ética, no Estado, esse poder é retirado da natureza, (…) a necessidade é elevada à obra da liberdade, ao elemento ético; — essa transitoriedade torna-se um passar querido, e a negatividade que reside no fundamento torna-se individualidade substancial própria da essência ética. A guerra como situação em que se torna algo sério a vaidade dos bens e das coisas temporais, que antes costuma ser um modo de falar edificante, é (…) o momento em que a idealidade do particular recebe seu direito e torna-se efetividade; — ela tem a significação superior, (…) de que por ela “a saúde ética dos povos é mantida (…)”. — Que a idealidade, que aparece na guerra (…) residindo em uma relação contingente externa, e a idealidade segundo a qual os poderes internos do Estado são momentos orgânicos do todo, — o mesmo se apresenta no fenômeno histórico (…) sob a figura de guerras felizes que impediram perturbações internas e consolidaram o poder interno do Estado.

§ 325

                (…) o sacrifício para a individualidade do Estado é a relação substancial de todos e, com isso, a obrigação universal, assim (…) como um aspecto da idealidade frente à realidade do subsistir particular, torna-se (…) uma relação particular e lhe é dedicado (…) o estamento da valentia.

§ 326

                As contendas dos Estados entre si podem ter por objeto qualquer aspecto particular de sua relação; para essas (…) também a parte particular do Estado, dedicada à sua defesa, tem sua determinação principal. (…) à medida que o Estado como tal, sua autonomia entra em perigo, (…) a obrigação chama todos os seus cidadãos para sua defesa. Quando assim o todo se tornou força é arrancado de sua vida interna dentro de si para fora, com isso a guerra defensiva passa à guerra de conquista.

                               Que a força armada do Estado se torne um exército permanente, (…) que a determinação para a ocupação particular de sua defesa se torne um estamento, é a mesma necessidade, pela qual outros momentos, interesses e ocupações particulares se tornam casamento, estamentos da indústria, (…) do Estado, (…) etc. O raciocínio (…) perde-se em considerações sobre as maiores vantagens ou (…) as maiores desvantagens da introdução de exércitos permanentes, e a opinião decide-se facilmente pela última, porque o conceito da Coisa é mais difícil de captar do que os aspectos singulares e exteriores e (…) porque os interesses e os fins da particularidade (os custos […], maiores impostos etc.) são avaliados na consciência da sociedade civil-burguesa acima do necessário em si e para si, que (…) vale apenas como um meio para aqueles.

§ 327

                A valentia é, para si, uma virtude formal, porque ela é a abstração suprema da liberdade de todos os fins, posses, fruição e vida particulares, mas essa negação é uma maneira exteriormente efetiva, e a exteriorização, enquanto cumprimento, não é nela mesma de natureza espiritual, a disposição de espírito interna pode ser essa ou aquela razão, e seu resultado efetivo também pode ser não para si e apenas para outros.

§ 328

                O teor da valentia, (…) disposição de espírito, reside no fim último absoluto verdadeiro, a soberania do Estado; — enquanto obra da valentia, a efetividade desse fim último tem por sua mediação o entregar da efetividade pessoal. (…) essa figura contém o rigor das oposições supremas: a exteriorização mesma, (…) enquanto existência da liberdade; — a suprema autonomia do ser-para-si, cuja existência está (…) no mecânico de uma ordem externa e do serviço, — a obediência total e a renúncia do opinar e do raciocinar próprios, assim a ausência do próprio espírito e a mais intensa e a ampla presença instantânea do espírito e da resolução, — o agir mais hostil e nisso o mais pessoal contra indivíduos (…).

                               Pôr sua vida em jogo é certamente mais do que apenas temer a morte, mas é assim o mero negativo e não tem por causa disso nenhuma determinação e nenhum valor para si; — somente o positivo, o fim e o conteúdo dão significação a essa coragem; (…). — O princípio do mundo moderno, o pensamento e o universal, deram à valentia uma figura superior de que sua externação parece ser mais mecânica e não (…) um atuar dessa pessoa particular, (…) apenas enquanto membro de um todo, — igualmente de que ela não é mais dirigida contra pessoas singulares, porém contra um todo hostil em geral (…).

§ 329

                O Estado tem sua orientação para fora pelo fato de que ele é um sujeito individual. (…) sua relação com outros recai no poder do príncipe, ao qual, (…) compete imediata e unicamente comandar a força armada, manter as relações com os outros Estados mediante embaixadores etc., decidir a guerra e a paz e outros tratados.

[Artwork: Taking of the Gorge de Malakoff, September 1855 by Adolphe Yvon]

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Filosofia do Direito [Terceira Seção – Parte VII]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 287-296.

§ 309

                (…) a delegação dos deputados ocorre para a deliberação e (…) decisão sobre os assuntos universais, ela tem o sentido de que pela confiança são determinados a isso tais indivíduos, os quais entendem melhor de tais assuntos do que os que delegam, (…) também de que eles não façam valer o interesse particular de uma comuna, (…) corporação, contra o interesse universal, porém façam valer essencialmente esse último. (…) eles não têm a relação de ser mandatários comissionados ou que transmitem instruções (…), a reunião tem a determinação de ser uma assembleia viva, em que se delibera em comum, se instrui e convence reciprocamente.

§ 310

                A garantia da propriedade e da disposição de espírito que corresponde a esse fim (…) mostra-se na segunda parte [dos estamentos], que emana do elemento móvel e mutável da sociedade civil-burguesa, (…) na disposição de espírito, habilidade e conhecimento das instituições e dos interesses do Estado e da sociedade civil-burguesa, adquiridos pela conduta efetiva das ocupações nas funções de autoridade ou nas funções de Estado e confirmados pelos atos, e no sentido da autoridade e no sentido do Estado que (…) se formam e se põem à prova.

                               A opinião subjetiva que se tem de si acha facilmente supérflua, e mesmo quase ofensiva, a exigência de tais garantias, se ela é feita ao (…) povo. Mas o Estado tem por sua determinação o elemento objetivo (…); para ele, os indivíduos apenas podem ser o que neles é objetivamente conhecível e comprovado (…). — A condição externa, um certo patrimônio, aparece tomada (…) para si como o extremo unilateral da exterioridade frente ao outro extremo igualmente unilateral, (…) a confiança (…) subjetiva e a opinião dos eleitores. (…) — (…) a propriedade do patrimônio tem já na eleição para funções de autoridade e outras (…) das cooperativas e das comunas a esfera em que pôde exercer seu efeito (…).

§ 311

                A delegação dos deputados, (…) procede da sociedade civil-burguesa, (…) tem o sentido de que os deputados estejam familiarizados com os carecimentos especiais, seus obstáculos, seus interesses particulares e que eles mesmos lhe pertençam. (…) ela procede, segunda a natureza, da sociedade civil-burguesa, de suas diversas corporações, e o modo simples dessa marcha não é perturbado por abstrações e (…) representações atomísticas, (…) ela preenche (…) esse ponto de vista, e o eleger (…) é supérfluo ou se reduz a um jogo medíocre da opinião e do arbítrio.

                               Apresenta-se de si mesmo o interesse de que se encontrem entre os deputados, para cada ramo particular da sociedade, (…) indivíduos que o conheçam a fundo e que eles mesmos lhe pertençam; — na representação de uma eleição indeterminada (…) essa circunstância importante é abandonada apenas à contingência. (…) cada um desses ramos tem, frente aos outros, direito igual de ser representado. Quando os deputados são (…) representantes, (…) isso tem um sentido organicamente racional apenas se eles não são representantes de [indivíduos] singulares, de uma multidão, porém representantes de uma das esferas essenciais da sociedade, representantes de seus grandes interesses. O representar (…) tem (…) a significação (…) de que o interesse mesmo está efetivamente presente no seu representante, assim como o representante está ali para seu próprio elemento objetivo. — A propósito de eleger pelos muitos [indivíduos] singulares, pode-se ainda observar que (…) tem um efeito insignificante, e que os titulares do direito de voto, por mais alto que esse título jurídico possa ser proclamado e representado (…), não aparecem (…) no momento de votar; — (…) tal instituição é antes o contrário (…), a eleição recai no poder de poucos, de um partido (…), no interesse contingente, particular, que precisamente deveria ser neutralizado.

§ 312

                Cada um dos dois lados contidos no elemento estamental traz na deliberação uma modificação particular, e porque, além disso, um dos momentos tem a função própria de mediação no interior dessa esfera e (…) de mediação entre existentes, assim resulta (…) para ele uma existência separada; com isso a assembleia estamental se dividirá em duas câmaras.

§ 313

                Mediante essa separação, não apenas a maturidade da decisão, mediada por uma pluralidade de instâncias, recebe sua maior garantia e é afastada a contingência da tendência do instante, (…) como a contingência que pode assumir a decisão pela maioria do número de votos, porém sobretudo o elemento estamental incide menos no caso de opor-se diretamente ao governo ou, (…) em que o mediador se encontre igualmente ao lado do segundo estamento, o peso da sua maneira de ver se reforça tanto mais quanto ela aparece (…) mais imparcial e sua oposição (…) neutralizada.

§ 314

                (…) a instituição dos estamentos não tem a determinação de que (…) os assuntos do Estado sejam em si melhor deliberados e decididos, dessa parte eles apenas constituem um acréscimo, porém sua determinação diferenciada consiste em que, no seu cosaber, codeliberar e codecidir sobre os assuntos universais, o mesmo da liberdade formal alcança seu direito (…) aos membros da sociedade civil-burguesa que não participam do governo, assim o momento do conhecimento universal recebe incialmente sua expansão mediante a publicidade dos debates (…).

§ 315

                A abertura dessa oportunidade de [obter] conhecimentos tem o aspecto mais universal de que somente assim a opinião pública alcança pensamentos verdadeiros e discernimento da situação e do conceito do Estado e (…) seus assuntos e, somente com isso, alcança uma capacidade de julgar mais racionalmente sobre isso; depois aprende também a conhecer e a respeitar as ocupações, os talentos (…) das autoridades do Estado e dos funcionários. Assim como esses também recebem com tal publicidade uma poderosa ocasião de desenvolvimento e um palco de honra elevada, (…) também ela é (…) o remédio contra a presunção dos singulares e da multidão, e é um meio de formação para esse, e (…) um dos maiores.

§ 316

                A liberdade subjetiva, formal, de que os singulares (…) tenham e externem seu julgar, opinar e aconselhar próprios sobre os assuntos universais tem seu fenômeno no conjunto que se chama opinião pública. O universal em si e para si, o substancial e o verdadeiro, está nisso ligado a seu contrário, ao próprio e particular do opinar para si dos muitos; por isso essa existência é a contradição presente de si mesma, o conhecer enquanto fenômeno; a essencialidade tão imediata como a inessencialidade.

§ 317

                Por isso a opinião pública contém dentro de si os princípios substanciais eternos da justiça, o conteúdo verdadeiro e o resultado de toda constituição, legislação e situação universal em geral, sob a forma do são entendimento humano enquanto fundamento ético que atravessa todos sob a figura de pré-juízo, assim como os carecimentos verdadeiros e as tendências corretas da efetividade. — Ao mesmo tempo, como esse aspecto interno entra na consciência e vem à representação em proposições universais, em parte para si, em para fins do raciocinar concreto sobre os acontecimentos, regulamentos e relações do Estado e sobre carecimentos sentidos, (…) introduz a total contingência do opinar, sua ignorância e inversão, conhecimento e apreciação falsos. Visto que se trata aí da consciência da peculiaridade da maneira de ver e do conhecimento, (…) é uma opinião tanto mais própria quanto pior é seu conteúdo; pois o mau é o que é totalmente particular e próprio em seu conteúdo, ao contrário, o racional é o universal em si e para si, e o próprio é aquela sobre o qual o opinar se imagina algo.        

                               Por causa disso não é de se considerar (…), se uma vez se diz:

                               Vox Populi, vox dei,

                               e uma outra vez (por exemplo, em Ariosto):

                               “Golpear a massa pode, / nisso ela é respeitável: julgar lhe cai miseravelmente”.                             “Que o vulgo ignorante censura todo mundo e mais fala do que menos entende”.

                               Ambas residem (…) na opinião pública; — (…) nela verdade e erro sem fim estão imediatamente reunidos, (…) não há verdadeiramente seriedade em uma ou em outra. Onde há seriedade (…) pode parecer difícil de diferenciar; (…) será o caso se nos ativermos à externação imediata da opinião pública. (…) visto que o substancial é seu elemento interno, (…) é apenas com esse que há verdadeira seriedade; mas esse não pode ser conhecido a partir dela, (…) precisamente, porque ele é o substancial, apenas pode ser conhecido a partir de si mesmo e por si mesmo. (…) esse opinar se deixaria persuadir minimamente sobre isso de que seriedade nada tem de sério. — Um grande espírito submeteu à resposta pública a questão se é permitido enganar um povo. (…) um povo não se deixa enganar de propósito de seu fundamento substancial, de sua essência e do caráter determinado de seu espírito, mas sobre a maneira como ele sabe isso e julga segunda essa maneira suas ações, seus acontecimentos etc., — ele é enganado por si mesmo.

§ 318

                Por isso a opinião pública merece ser tanto respeitada como desprezada[;] desprezada segundo sua consciência e sua externação concretas, respeitada segundo seu fundamento essencial, que apenas aparece mais ou menos turvado naquele concreto. (…) ela não tem nela o critério da diferenciação nem a capacidade de elevar dentro de si o aspecto substancial até o saber determinado, (…) a independência em face dela é a primeira condição formal para alcançar algo de grande e de racional (na efetividade como na ciência). Esse (…) parece estar seguro de que ela na sequência o admitirá, reconhecerá e fará um de seus pré-juízos.

§ 319

                A liberdade de comunicação pública — ([…] um dos meios, a imprensa, […] fica-lhe atrás em vivacidade), — a satisfação desse impulso que comicha de dizer e de ter dito sua opinião, tem sua garantia direta nas leis e (…) ordenamentos da administração pública e do direito, que, em parte, punem seus excessos, mas tem sua garantia indireta na inocuidade, fundada, (…), na racionalidade da constituição, na estabilidade do governo e, então, também na publicidade das assembleias estamentais — (…) nessas assembleias se expressa o discernimento sólido e cultivado sobre os interesses do Estado e deixa-se aos demais dizer o significativo, principalmente se lhes é tirada a opinião de que tal dizer seja de peculiar importância e eficácia; — mas (…), na indiferença e no desprezo face ao discurso superficial e odiento, ao que logo se rebaixa necessariamente.

                               Definir a liberdade de imprensa como a (…) de dizer e de escrever o que se quer está em paralelo com o declarar de que a liberdade em geral seria a liberdade de fazer o que se quer. — Tal discurso pertence à rudeza e à superficialidade (…) totalmente incultas do representar. (…) segundo a natureza da Coisa, em parte alguma o formalismo persiste de maneira tão obstinada e deixa-se entender tão pouco quanto nessa matéria. (…) o objeto é o mais fugaz, o mais particular, o mais contingente do opinar na multiplicidade infinita de conteúdos e de torneamentos; além da incitação direta ao roubo, ao assassinato (…) etc., aí residem a arte e a cultura da externação, que aparece para si como de todo universal e indeterminada, mas, em parte, (…) oculta também uma significação totalmente determinada e, em parte, se liga a consequências que não são efetivamente expressas e das quais é indeterminável tanto se elas derivam corretamente dessa externação, como (…) se devem estar contidas nela. Essa indeterminidade da matéria e da forma não deixa às leis (…) alcançar aquela determinidade que é exigida (…) e faz do juízo (…) uma decisão totalmente subjetiva (…). (…) a lesão é dirigida aos pensamentos, à opinião e à vontade dos outros, que são o elemento em que ela alcança uma efetividade; (…) esse elemento pertence à liberdade dos outros e, por isso, depende desses que essa ação lesiva seja um ato efetivo. — Por isso, frente às leis, pode-se tanto mostrar sua indeterminidade como podem ser encontrados, para a externação, torneamentos e formulações de expressão, pelas quais se eludem as leis ou se afirma a decisão judiciária como um juízo subjetivo. (…) se a externação for tratada como um ato lesivo, pode-se afirmar contra isso que não seria um ato, (…) seria (…) apenas um opinar e um pensar, quanto apenas um dizer; (…) de um fôlego, a partir da mera subjetividade do conteúdo e da forma, a partir da insignificância e da não-importância de um mero opinar e dizer, exige-se a impunidade dos mesmos e precisamente para esse opinar, enquanto é (…) minha propriedade mais espiritual, (…) enquanto externação e uso dessa minha propriedade, exigem-se grande respeito e consideração. — Mas o substancial é e permanece que a lesão à honra dos indivíduos (…), a calúnia, a injúria, o desprezo do governo, (…), em particular da pessoa do príncipe, o escárnio das leis, (…) etc. são crimes, delitos, com as mais diversas gradações. A maior indeterminidade que tais ações recebem mediante o elemento em que elas têm sua externação não suprassume seu caráter substancial e (…) tem a consequência de que o terreno subjetivo, no qual são cometidas, determina também a natureza e a figura da reação; esse é o terreno do delito mesmo, que na reação (…) verte a subjetividade da maneira de ver, a contingência e semelhantes (…). O formalismo empenha-se (…) em raciocinar fora da natureza substancial e concreta da Coisa, a partir de aspectos singulares, que pertencem ao fenômeno exterior (…). —Mas as ciências (…) não se encontram no terreno do opinar e das maneiras de ver subjetivas, (…) também sua exposição não consiste na arte dos torneamentos, das alusões (…), porém na expressão aberta, determinada e inequívoca da significação e do sentido, não caem sob a categoria do que constitui a opinião pública. (…) — (…) assim como a externação científica tem seu direito e sua garantia em sua matéria e em seu conteúdo, (…) o ilícito da externação pode (…) receber uma garantia ou ao menos uma tolerância no desprezo em que se expôs. Uma parte de tais delitos (…) pode ser posta na conta dessa espécie de Nêmesis que a impotência interna, que se sente oprimida pelos talentos e virtudes que a ultrapassam, é impelida a agir frente a tal superioridade, para chegar a si mesma e a restituir à própria nulidade uma autoconsciência (…). Essa Nêmesis má e odiosa é privada de seu efeito pelo desprezo e (…), como o público que forma uma espécie de círculo em torno de tal atividade, é delimitada à alegria maliciosa insignificante à própria condenação que ela tem dentro de si.

§ 320

                A subjetividade, (…) enquanto dissolução da vida e do Estado subsistente tem seu fenômeno mais exterior do opinar e no raciocinar, que querem fazer valer sua contingência e (…) igualmente, se destroem, tem sua efetividade verdadeira em seu oposto, na subjetividade enquanto idêntica com a vontade substancial, a qual constitui o conceito do poder do príncipe e (…), enquanto idealidade do todo, não alcançou ainda, até agora, seu direito e ser-aí.

[Artwork:  Donnybrook Fair (1859) by Erskine Nicol]

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Filosofia Política, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Terceira Seção – VI]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 278-287.

c) O Poder Legislativo

§ 298

                O poder legislativo concerne às leis como tais, na medida em que elas carecem de contínua determinação ulterior e os assuntos internos são totalmente universais segundo seu conteúdo. Esse poder é (…) uma parte da constituição que lhe é pressuposta e reside (…) em si e para si fora de sua determinação direta, mas recebe seu desenvolvimento posterior (…).

§ 299

                Em vinculação com os indivíduos, esses objetos se determinam (…) segundo dois aspectos: α) o que obtêm para seu benefício mediante o Estado e o que eles têm a desfrutar e β) e o que eles têm de prestar ao mesmo. Estão compreendidos, sob o primeiro aspecto, as leis do direito privado (…), os direitos das comunas e (…) corporações e as organizações totalmente universais e, indiretamente (§ 298), o todo da constituição. (…) as prestações apenas podem ser reduzidas a dinheiro, (…) valor universal existente das coisas e das prestações, (…) podem ser determinadas de maneira justa e (…) de um modo tal que os trabalhos e serviços particulares, que o [indivíduo] singular pode prestar, são mediados por seu arbítrio.

                               O que é objeto da legislação universal e o que se confia à determinação das autoridades administrativas e à regulamentação do governo em geral deixa-se certamente no universal diferenciar, (…) recai apenas nela o que é de todo universal segundo o conteúdo, as determinações legais, mas que recaem nessa o particular e a espécie e o modo de execução. (…) essa determinação já não é (…) completamente determinada, pelo fato de que a lei (…) e não um simples imperativo (…) precisa ser determinada dentro de si; (…) quanto mais é determinada, tanto mais seu conteúdo se aproxima da capacidade de ser executado (…). (…) ao mesmo tempo, a determinação, se fosse tão longe, daria às leis um aspecto empírico, que seria preciso na execução efetiva submeter a modificações (…). (…) pode surpreender no Estado (…) que esse não exige nenhuma prestação direta das muitas habilidades, posses, atividades (…) e nisso dos vivos patrimônios infinitamente diversos que nele residem, que (…) estão ligados a uma disposição de espírito, porém apenas toma um patrimônio que aparece como dinheiro. — (…) de fato, o dinheiro não é um patrimônio particular ao lado dos demais, (…) é o universal dos mesmos, à medida que eles se produzem até à exterioridade do ser-aí, em que podem ser apreendidos como uma Coisa. Apenas nesse ápice mais exterior são possíveis a determinação quantitativa e (…) a justiça e a igualdade das prestações. — Platão, em seu Estado, deixa repartir pelos superiores os indivíduos entre os estamentos particulares e impor-lhes suas prestações particulares (…). Nessas relações falta o princípio da liberdade subjetiva, pelo fato de que o fazer substancial do indivíduo, que em tais prestações é (…) particular segundo seu conteúdo, seja mediado por sua vontade particular; — um direito que somente é possível mediante a exigência das prestações na forma do valor universal (…)

§ 300

                No poder legislativo, enquanto totalidade, inicialmente são ativos os dois outros momentos[:] o monárquico, (…) lhe compete a decisão suprema, — [e] o poder governamental, (…) momento consultivo, com conhecimento concreto e visão geral do todo, de seus múltiplos aspectos e dos princípios efetivos que ali se tornaram estáveis, assim como (…) conhecimento dos carecimentos do poder do Estado (…), — enfim, o elemento estamental.

§ 301

                O elemento “estamental” tem a determinação de que o assunto universal não é apenas “em si”, mas também “para si”, isto é, de que o momento da “liberdade formal” subjetiva, a consciência pública, enquanto “universalidade empírica” das maneiras de ver e dos pensamentos dos “muitos”, chegue ali à existência.

                               A expressão: “os muitos” (οι πολλοί) designa a universalidade empírica de modo mais correto do que a expressão corrente: “todos”. Pois quando se afirma que se entende de si, que sob esse “todos”, inicialmente, pelo menos, não se quer mencionar as crianças, (…) etc., assim se entende aqui ainda melhor de si que não se deveria usar a expressão totalmente determinada: “todos”, em que ainda se trata de algo totalmente indeterminado. — Em geral, são tão indescritíveis as muitas representações e maneiras de falar equívocas e falsas sobre o povo, a constituição e os estamentos, que estão circulando na opinião, que seria um esforço vão querer citá-las, discuti-las e retificá-las. A representação, que a consciência habitual costuma ter diante de si sobre a necessidade ou a utilidade da concorrência de estamentos, é principalmente algo de que os deputados do povo ou mesmo de que o povo “tem de entender melhor” o que lhe serve melhor e que teria incontestavelmente a melhor vontade para esse melhor. O que concerne ao primeiro ponto, assim, é antes o caso de que o povo, na medida em que com essa palavra se designa uma parte particular dos membros de um Estado, expressa a parte “que não sabe o que quer”. Saber o que se quer e, mais ainda, saber o que quer a vontade sendo em si e para si, a razão, é fruto do conhecimento e do discernimento mais profundo, que não é precisamente assunto do povo. — A garantia para o universal melhor e para a liberdade pública reside nos estamentos, não se encontra em algum refletir do discernimento particular dos mesmos, — pois os mais elevados funcionários do Estado têm necessariamente um discernimento mais profundo e mais abrangente da natureza das instituições e dos carecimentos do Estado, assim como uma habilidade e hábito maiores dessas ocupações e “podem” fazer o melhor nas assembleias dos estamentos, — porém ela [a garantia] reside certamente, em parte, em um ingrediente do discernimento dos deputados, principalmente no exercício dos funcionários que se encontram bastante afastados dos olhares das instâncias superiores e, em particular, nos carecimentos e nas faltas mais urgentes e mais especiais que eles, em uma intuição mais concreta, têm diante de si[:] mas, em parte, ela reside naquele efeito que traz consigo a esperada censura de muitos, e, de fato, uma censura pública, de aplicar antes o melhor discernimento às ocupações e aos projetos a serem expostos e apenas os instituir conforme os motivos mais puros, — um incumbência que é igualmente eficaz para os próprios membros dos estamentos. Mas o que concerne sobretudo à “boa vontade” dos estamentos para o melhor universal (…), de que pertence à maneira de ver da populaça, ao ponto de vista do negativo em geral, pressupor, da parte do governo, uma vontade má ou menos boa; — um pressuposição que, inicialmente se deveria responder de uma forma semelhante, teria por consequência a recriminação de que os estamentos, visto que eles emanam da singularidade, do ponto de vista privado e dos interesses particulares, estariam inclinados a usar sua atividade às custas do interesse universal, quando, ao contrário, os outros momentos do poder do Estado estão colocados já para si no ponto de vista do Estado e são dedicados ao fim universal. Com isso, o que concerne, em geral, à “garantia” que deve residir em particular nos estamentos, assim cada uma das outras instituições do Estado partilha também com elas o fato de ser uma garantia do bem-estar público e da liberdade racional, e há entre elas instituições, como a soberania do monarca, a hereditariedade da sucessão ao trono, a constituição judiciária etc., nas quais essa garantia reside, em um grau ainda mais forte. É por isso que a determinação conceitual própria dos estamentos, é de se buscar no fato de que neles o momento subjetivo da liberdade universal, o discernimento próprio e a vontade própria da esfera, que foi denominada (…) de sociedade civil-burguesa, vêm à “existência em vinculação com o Estado”. Que esse momento seja uma determinação da ideia desenvolvida até a totalidade, essa necessidade interna que não é de se confundir com “necessidades” e “utilidades externas” decorre, como em toda parte, do ponto de vista filosófico.   

§ 302

                Considerados órgãos mediadores, os estamentos estão entre o governo em geral (…) e o povo dissolvido em esferas particulares e em indivíduos (…). Sua determinação exige deles tanto o sentido e a disposição de espírito do Estado e do governo como os interesses das esferas particulares e dos [indivíduos] singulares. (…) tem a significação de uma mediação comum com o poder governamental organizado, de modo que o poder do príncipe não seja isolado (…) e não apareça (…) como um mero poder dominador e como arbítrio, nem que os interesses particulares das comunas (…), etc. se isolem, ou (…) que os [indivíduos] singulares não venham a se apresentar como uma multidão (…) como um amontoado, (…) como um opinar e um querer inorgânicos e um mero poder de massa contra o Estado orgânico.

                               Isso pertence aos discernimentos lógicos mais importantes de que um momento determinado, enquanto se mantém na oposição, tem a posição de um extremo, (…) deixa de sê-lo e é um momento orgânico (…) ao mesmo tempo, meio-termo. (…) importante destacar esse aspecto, porque faz partes do preconceitos frequentes (…) representar (…) os estamentos do ponto de vista da oposição frente ao governo, como se essa fosse sua posição essencial. Organicamente (…) retomado na totalidade, o elemento estamental (…) se demonstra pela função da mediação. (…) a oposição mesma é rebaixada a uma aparência. — O sinal de que o conflito não é dessa espécie resulta, segundo a natureza da Coisa, quando os objetos do mesmo não concernem aos elementos essenciais do organismo do Estado, porém às coisas mais especiais e (…) indiferentes, e a paixão que (…) se liga a esse conteúdo torna-se procura partidária por um interesse (…) subjetivo, por exemplo, (…) cargos mais elevados no Estado.

§ 303

                O estamento universal, (…) o que se dedica ao serviço do governo, imediatamente tem de ter em sua determinação o universal por fim de sua atividade essencial; no elemento estamental do poder legislativo, o estamento privado chega a uma atividade eficaz e a uma significação políticas. (…) não pode então aparecer (…) como uma massa (…) indivisa, nem como uma multidão (…), (…) aparece como o que ele já é, (…) como diferenciado no estamento que se fundamenta na relação substancial e no trabalho que os medeia. Apenas assim (…) o particular efetivo no Estado enlaça-se verdadeiramente ao universal.

                               Isso vai contra outra representação corrente, (…) a qual o estamento privado é, no poder legislativo, elevado à participação na Coisa universal[;] ele teria de aparecer (…) na forma dos [indivíduos] singulares, seja que eles escolham representantes (…) ou (…) que (…) deva exercer um voto aí. Essa maneira de ver abstrata (…) desaparece já na família como na sociedade civil-burguesa, (…) o [indivíduo] singular apenas chega a aparecer como membro de um universal. Mas o Estado é (…) uma organização de tais membros, que são círculos para si, e nele nenhum momento deve mostrar-se como (…) multidão inorgânica. Os muitos, (…) [indivíduos] singulares, (…) povo, são (…) um conjunto, mas apenas como multidão, uma massa informe, cujo movimento e atuar (…) com isso apenas seriam elementares, irracionais (…). Quando, em vinculação com a constituição, se ouve ainda falar de povo, (…) coletividade inorgânica, (…) se pode já saber (…) que apenas se podem esperar generalidades e declamações equívocas. — A representação, que dissolve de novo em multidão de indivíduos as comunidades (…) já (…) presentes naqueles círculos em que eles entram na política, (…) no ponto de vista da suprema universalidade concreta, mantém (…) a vida civil-burguesa e a vida política separadas uma da outra e situa essa (…) no ar, (…) sua base (…) seria a singularidade abstrata do arbítrio e da opinião (…), seria o contingente, não um fundamento estável e legitimado em si e para si. — (…) as (…) teorias dos estamentos da sociedade civil-burguesa (…) e dos estamentos na significação política residam distantes entre si, contudo a língua ainda manteve essa união, que (…), outrora existia.

§ 304

                O elemento político dos estamentos contém igualmente em sua determinação própria a diferença dos estamentos já presentes nas esferas anteriores. Sua posição inicialmente abstrata (…) a do extremo da universalidade empírica frente ao princípio do príncipe ou monárquico (…), — (…) residem (…) a possibilidade da concordância e (…) igualmente a possibilidade da contraposição hostil, — essa posição abstrata apenas se torna (…) relação racional (…) pelo fato de que sua mediação chega à existência. (…) como da parte do poder do príncipe, o (…) governamental (§ 300) já tem essa determinação, assim também, da parte dos estamentos, é preciso que ele esteja orientado a um momento dos mesmos segundo a determinação de existir essencialmente como o momento do meio-termo.

§ 305

                Um dos estamentos da sociedade civil-burguesa contém o princípio que é capaz para si de tornar-se constituído para essa vinculação política (…), o estamento da eticidade natural, (…) tem por (…) base a vida familiar, e no que diz respeito à subsistência, a propriedade fundiária[;] (…) no que diz respeito à sua particularidade, tem em comum o querer, que repousa sobre si, e a determinação natural, que o elemento principesco inclui dentro de si.

§ 306

                Para a posição e a significação políticas ele é precisamente constituído, (…) seu patrimônio é independente do patrimônio do Estado como da insegurança da indústria, da busca do ganho e da variabilidade da posse em geral, — é independente (…) do favor do poder governamental como do favor da multidão, (…) é assegurado contra o próprio arbítrio, (…) os membros (…) que são chamados para essa determinação, estão privados do direito que têm os outros cidadãos, em parte, de dispor livremente de sua propriedade inteira, em parte, de saber que ela será transmitida aos filhos, segundo a igualdade de amor; — o patrimônio torna-se (…) um bem hereditário, inalheável, onerado pelo morgadio.

§ 307

                (…) o direito dessa parte do estamento substancial está (…) fundado (…) no princípio natural da família, mas esse é, ao mesmo tempo, alterado pelos (…) sacrifícios para o fim político, pelo qual esse estamento está essencialmente indicado à atividade para esse fim (…), em consequência, é chamado e legitimado para isso pelo nascimento, sem a contingência de uma escolha. (…) ele tem a posição substancial, estável, entre o arbítrio subjetivo ou a contingência dos dois extremos, e como ele traz dentro de si (…) momento do poder do príncipe, (…) partilha (…) com o outro extremo, de resto, os mesmos carecimentos e os mesmos direitos e torna-se (…) o suporte do trono e da sociedade.

§ 308

                Na outra parte do elemento estamental recai o lado móvel da sociedade civil-burguesa, (…) exteriormente, por causa da multidão de seus membros, mas essencialmente por causa da natureza de sua determinação e ocupação, apenas pode intervir mediante deputados. (…) esses são delegados pela sociedade (…) é de supor (…) que essa o faz enquanto o que ela é, — (…) não como dissolvida (…) nos [indivíduos] singulares e apenas se reuniria em um instante, sem outra atitude, para um ato singular e temporário, porém enquanto articulada (…) nas suas cooperativas, comunas e corporações constituídas, que recebem (…) uma conexão política. Em sua legitimação para (…) delegação de deputados, convocada pelo poder do príncipe (…), a existência dos estamentos e a sua assembleia encontram uma garantia própria, constituída.

                               Que todos devam singularmente tomar parte na deliberação e na decisão sobre os assuntos universais do Estado, porque (…) são membros do Estado e seus assuntos são assuntos de todos, nos quais eles têm um direito de estar com seu saber e querer, — essa representação, que queria pôr o elemento democrático sem nenhuma forma racional no organismo do Estado, (…) permanece na determinação abstrata de ser membro (…), e o pensamento superficial mantém-se em abstrações. A consideração racional, a consciência da ideia, é concreta e (…) encontra-se com o verdadeiro sentido prático, que não é nada mais que o sentido racional, o sentido da ideia, — mas que (…) não se deve confundir com a mera rotina das ocupações e (…) uma esfera delimitada. O Estado concreto é o todo articulado em seus círculos particulares; o membro (…) é um membro de tal estamento; apenas nessa sua determinação objetiva (…) pode ser tomado em consideração (…). Sua determinação universal (…) contém o duplo momento de ser pessoa privada e, enquanto pensante, igualmente de ser consciência e querer do universal; (…) essa consciência e esse querer não são, então, apenas vazios, porém preenchidos e efetivamente vivos, quando estão preenchidos com a particularidade, — e essa é o estamento particular e a determinação —; ou o indivíduo (…) tem como gênero mais próximo sua efetividade universal imanente. — Sua determinação viva e efetiva para o universal é alcançada, incialmente, (…) em sua esfera da corporação, da comuna etc., (…) é deixado aberta a possibilidade de ingressar, mediante sua habilidade, no estamento para o qual é capaz, entre os quais pertencer também ao (…) universal. Outra pressuposição reside na representação de que todos devem participar dos assuntos do Estado, (…), de que todos se entendem nesses assuntos, a qual é (…) absurda (…). Mas na opinião pública (§ 316) está aberta a via para cada um externar e fazer valer também seu opinar subjetivo sobre o universal.     

[Painting: Study for King Louis Philippe (1773-1850) Swearing his Oath to the Chamber of Deputies, 9th August 1830 by Ary Scheffer]     

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Filosofia Política, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Terceira Seção – V]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 272-277.

b) O Poder Governamental

§ 287

                Diferente da decisão são o cumprimento e a aplicação das decisões do príncipe (…) o prosseguimento e a manutenção do que já foi decidido, das leis presentes, das instituições, dos estabelecimentos em vista de fins comunitários (…). Essa ocupação da subsunção (…) concebe dentro de si o poder governamental, no qual (…) estão concebidos os poderes judiciário e de administração pública, que têm imediatamente vinculação com o particular da sociedade civil-burguesa e fazem valer o universal nesses fins.

§ 288

                Os interesses particulares comunitários, que recaem na sociedade civil-burguesa e residem fora do universal sendo em si e para si do Estado mesmo (…), têm sua administração nas corporações (…) das comunas e (…) demais ofícios e estamentos, e em suas autoridades, dirigentes (…). (…) esses assuntos que eles cuidam, por uma parte são a propriedade e os interesses privados dessas esferas particulares, e, segundo esse aspecto, sua autoridade repousa na confiança de seus companheiros (…) e de seus [membros] civis-burgueses, e, por outra (…), é preciso que esses círculos sejam subordinados aos interesses superiores do Estado, resultará, para o provimento desses postos (…) uma mistura de escolha comum desses interessados e de uma configuração e determinação superiores.

§ 289

                A manutenção estável do interesse universal do Estado e do que é legal nesses direitos particulares e a recondução desses àqueles exigem um cuidado pelos delegados do poder governamental, pelos funcionários executivos do Estado e pelas autoridades consultivas superiores, (…) que constituem colegiados, que convergem para o ápice supremo, (…) se referem ao monarca.

                               (…) a sociedade civil-burguesa é o campo de luta do interesse individual de todos contra todos, (…) tem aqui o seu lugar o conflito dos mesmos contra os assuntos particulares comunitários, e (…) junto (…) contra os pontos de vista e ordenamento superiores do Estado. O espírito da corporação, que se engendra na legitimação das esferas particulares, reverte-se (…) para dentro de si no espírito do Estado, (…) no Estado tem o meio de conservação de seus fins particulares. Esse é o segredo do patriotismo dos cidadãos segundo esse aspecto, de que eles sabem o Estado enquanto sua substância, porque ele conserva suas esferas particulares, sua legitimação e a autoridade como seu bem-estar. No espírito da corporação, (…) ele contém imediatamente o enraizamento do particular no universal, na medida em que é a profundidade e o vigor do Estado, que ele possui na disposição do espírito. A administração dos assuntos das corporações por seus próprios dirigentes (…) será frequentemente desajeitada (…). Mas essa esfera própria pode ser considerada como abandonada ao mesmo da liberdade formal, em que o conhecer, o decidir e o cumprir próprios, assim como as pequenas paixões e fantasias, têm uma arena para expandir-se, — e isso tanto mais quanto o teor do assunto, (…) desse modo é corrompido (…) é de menos importância para o Estado, e tanto mais que o cuidado penoso (…) de tal assunto insignificante se mantém em relação direta com a satisfação e a opinião de si, que daí se obtém.

§ 290

                Nas ocupações do governo apresenta-se (…) a divisão do trabalho (§ 198). A organização das autoridades (…) tem a tarefa formal, mas difícil, de que, a partir de baixo, onde a vida civil-burguesa é concreta, torne-se governada de maneira concreta, (…) que essa ocupação seja dividida em seus ramos abstratos, (…) tratados por autoridades próprias, enquanto centros distintos, cuja atividade eficaz, voltada para baixo, (…) como no poder governamental supremo, converge para uma concreta visão geral.

§ 291

                As ocupações do governo são de natureza objetiva, decidida já para si segundo sua substância (§ 287) e devem ser cumpridas e efetivadas por indivíduos. Entre ambos não reside (…) vínculo natural imediato; (…) os indivíduos não são determinados a elas pela personalidade natural e (…) nascimento. Na sua determinação para as mesmas [ocupações], o momento objetivo é o conhecimento e a prova de sua capacitação, — (…) que garante ao Estado [satisfazer] seus carecimentos e (…) a cada cidadão (…) a possibilidade de se consagrar no estamento universal.

§ 292

                O aspecto subjetivo, de que esse indivíduo, dentre vários, e necessariamente de maneira indeterminada existem vários, seja escolhido e nomeado para um cargo e delegado para a condução das ocupações públicas, (…) a preferência nada tem de (…) determinável, dado que (…) o elemento objetivo não reside na genialidade (como, por exemplo, na arte), essa ligação do indivíduo e da função, (…) se trata de dois aspectos para si sempre contingentes, um frente ao outro, compete ao poder do príncipe, (…) poder decisivo e soberano do Estado.

§ 293

                As ocupações particulares do Estado, que a monarquia confia às instâncias administrativas, constituem uma parte do aspecto objetivo da soberania inerente ao monarca; sua diferença determinada é (…) dada pela natureza da Coisa; (…) como a atividade das autoridades é o cumprimento de uma obrigação, (…) sua ocupação é também um direito subtraído à contingência.

§ 294

                O indivíduo (…) pelo ato soberano  (…) está ligado a uma profissão oficial, é encarregado do cumprimento de sua obrigação, ao substancial de sua relação, enquanto condição dessa ligação, nela encontra, enquanto consequência dessa relação substancial, o patrimônio e a satisfação garantida de sua particularidade (§ 264) e a liberação de sua situação externa e de sua atividade oficial de toda outra dependência e influência subjetivas.

                               O Estado não conta com prestações caprichosas, arbitrárias ([…] por exemplo, a administração do direito […] exercida pelos cavaleiros errantes), (…) porque são caprichosas e arbitrárias e porque os indivíduos reservam a si o cumprimento das prestações segundo maneiras de ver subjetivas, (…) se reservam a não-prestação caprichosa e a execução de fins subjetivos. O outro extremo (…) seria, em vinculação com o serviço do Estado, o do servidor do Estado, (…) ligado a seu serviço por mera necessidade, sem verdadeira obrigação e (…) sem direito. — O serviço do Estado exige (…) o sacrifício da satisfação caprichosa e autônoma de fins subjetivos e, com isso, precisamente, dá o direito de encontrá-los na prestação conforme a obrigação, mas apenas nela. (…) segundo esse aspecto, a ligação do interesse universal e do (…) particular, (…) o conceito e a solidez interna do Estado (§ 260). — A relação do funcionário não é (…) uma relação de contrato (§ 75), embora estejam presentes um duplo consentimento e uma prestação de ambas as partes. O servidor não é chamado para uma prestação de serviço contingente singular, como o mandatário, porém coloca nessa relação o interesse principal de sua existência espiritual e particular. (…) não é uma Coisa exterior, apenas particular, segundo sua qualidade, que ele teria de prestar e que lhe seria confiada; o valor de tal [Coisa] é, enquanto algo interno, diferente de sua exterioridade e ainda não é lesada por ocasião da não-prestação do estipulado (…). (…) o que o servidor do Estado tem a prestar é, tal como é imediatamente, um valor em si para si. Por isso o ilícito pela não-prestação ou lesão positiva (ação contrária ao serviço, e ambas são tal) é uma lesão ao conteúdo universal (…), por causa disso delito ou (…) crime. — No poder universal do Estado, os encarregados de suas ocupações encontram uma proteção contra os outros aspectos subjetivos, (…) paixões privadas dos governados, cujos interesses privados etc. são ofendidos, ao contrário, pelo fazer valer do universal.

§ 295

                A segurança do Estado e dos governados (…) ao abuso do poder por parte das autoridades e de seus funcionários reside, de uma parte, imediatamente em sua hierarquia e responsabilidade, de outra parte, na legitimação das comunas, das corporações, (…) por elas a ingerência do arbítrio subjetivo no poder confiado aos funcionários é refreada em si e o controle de cima, que não alcança o comportamento singular, é completado a partir de baixo.

                               No comportamento e na cultura dos funcionários reside o ponto em que as leis e as decisões do governo atingem a singularidade e se fazem valer na efetividade. Esse é (…) o ponto do qual dependem a satisfação e a confiança dos cidadãos para com o governo, assim como a execução ou o enfraquecimento e o impedimento de suas intenções (…) a espécie e o modo da execução são (…) tanto avaliados pelo sentimento e pela disposição de espírito como o conteúdo mesmo que deve ser executado, pode já para si conter um ônus. Na imediatidade e na personalidade desse contato (…) o controle do alto (…) alcança seu fim de maneira mais ou menos completa, (…) também pode encontrar obstáculos no interesse comum dos funcionários, enquanto estamento que se une contra os subordinados e contra os superiores, obstáculos cuja eliminação (…) exige e legitima a intervenção da soberania (…).

§ 296

                (…) a ausência de paixão, a retidão e a moderação se tornem costume, [isso] se liga (…) com a cultura do pensamento e com a cultura ética direta, que mantém o equilíbrio espiritual sobre o aprendizado do que têm de mecânico e semelhantes dentro de si as (…) ciências dos objetos, a exigida prática das ocupações, o trabalho efetivo etc.; (…) a grandeza do Estado é o momento principal pelo qual tanto o peso dos laços familiares e de outros (…) privados é enfraquecido, (…) também a vingança, o ódio e as outras paixões semelhantes tornam-se mais importantes e (…) mais obtusos; na ocupação com os grandes interesses que estão (…) em um grande Estado, esses aspectos subjetivos se evanescem para si e engendra-se o hábito dos interesses, das maneiras de ver e das ocupações universais.

§ 297

                Os membros do governo e os funcionários do Estado constituem a parte principal do estamento mediano, em que recaem a inteligência cultivada e a consciência jurídica da massa de um povo. Que ele não tome a posição isolada de uma aristocracia e que a cultura e a habilidade não se tornem um meio do arbítrio e de uma dominação é o que efetivam, de cima para baixo, as instituições da soberania e, de baixo para cima, os direitos das corporações.

                               (…) outrora, a administração do direito, cujo objeto é o interesse próprio de todos os indivíduos, transformou-se em um instrumento de ganho e de dominação, (…) o conhecimento do direito se ocultava em erudição e em língua estrangeira  e o conhecimento do procedimento (…) em um formalismo emaranhado.

[Painting: The Coronation of Charles X of France at Reims, May 29, 1825 by François Pascal Simon Gérard, circa. 1827]

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Filosofia Política, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Terceira Seção – IV]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 260-272.

a) O Poder do Príncipe

§ 275

                O poder do príncipe contém (…) os três momentos da totalidade (§ 272), a universalidade da constituição e das leis, a deliberação enquanto vinculação do particular com o universal e o momento da decisão última, enquanto autodeterminação, na qual retorna todo o resto e da qual tira o começo da efetividade. Esse autodeterminar absoluto constitui o princípio diferenciado do poder do príncipe (…) é o primeiro a ser desenvolvido.

§ 276

                1. A determinação fundamental do Estado político é a unidade substancial enquanto idealidade de seus momentos, α) os poderes particulares e as ocupações dos mesmos estão (…) dissolvidos como mantidos, (…) são apenas mantidos enquanto não têm nenhuma legitimação independente, (…) somente têm uma tal e tão extensa legitimação enquanto está determinada na ideia do todo, — procedem de seu poder e são os membros fluidos desse, enquanto é seu simples si mesmo.

§ 277

                β) As ocupações e (…) atividades eficazes particulares do Estado (…) momentos essenciais o mesmo, lhe são próprios e estão ligados aos indivíduos, mediante os quais elas são manejadas e executadas, não segundo sua personalidade imediata, (…) apenas segundo suas qualidades universais e objetivas e, por isso, são unidas de maneira exterior e contingente à sua personalidade particular (…). (…) as ocupações e os poderes do Estado não podem ser propriedade privada.

§ 278

                Essas duas determinações (…) que as ocupações e os poderes particulares do Estado não são nem autônomos (…) nem estáveis para si na vontade particular dos indivíduos, porém têm sua raiz última na unidade do Estado, enquanto (…) seu simples si mesmo, constituem a soberania do Estado.

                               Isso é a soberania interna, que tem (…) outro aspecto, a (…) externa (…). — Na antiga monarquia feudal, o Estado era (…) soberano externamente, mas, internamente, não apenas o monarca, porém o Estado não era (…). (…) as ocupações e poderes particulares do Estado e da sociedade civil-burguesa eram (…) corporações e (…) comunas independentes, por isso o todo era (…) um agregado do que um organismo (…) eles eram a propriedade privada de indivíduos (…). — O idealismo, que constitui a soberania, é a mesma determinação, segundo a qual, no organismo animal, as suas (…) partes não são partes, porém membros, momentos orgânicos, e cujo isolar-se e subsistir-para-si é a doença (…) esse mesmo princípio, que sucede no conceito abstrato da vontade (…) como negatividade que se vincula a si mesma (…) como universalidade determinando-se para a singularidade (§ 7), em que toda particularidade e toda determinidade são suprassumidas, o fundamento absoluto determinando-se a si mesmo; a fim de apreendê-la, é preciso possuir, (…) o conceito do que são a substância e a subjetividade verdadeira do conceito. — Porque a soberania é a idealidade de toda a legitimação particular, (…) jaz (…) o mal-entendido, (…) de tomar (…) por um mero poder e arbítrio vazio, e (…) sinônimo de despotismo. (…) o despotismo caracteriza, em geral, a situação de ausência de leis, em que a vontade particular (…) seja a de um monarca ou a de um povo (Oclocracia), vale como lei, (…) vale no lugar da lei[;] (…) na situação legal, constitucional, a soberania constitui o momento da idealidade das esferas e das ocupações particulares (…) de que tal esfera não é algo de independente, autônomo em seus fins e seus modos de atuação e mergulha apenas dentro de si, porém nesses fins e nesses modos (…) seja determinada pelo fim do todo e seja dependente dele (denominou-se, em geral, com uma expressão mais indeterminada, o bem-estar do Estado). Essa idealidade chega ao fenômeno de duas maneiras. — Na situação de paz, as esferas e as ocupações particulares seguem o curso da satisfação de suas ocupações e de seus fins particulares e, em parte, é apenas o modo da necessidade inconsciente da Coisa (…) a qual seu egoísmo transforma-se em contribuição para a conservação mútua e (…) conservação do todo (ver § 183), mas, em parte, é a atuação direta de cima, que as reconduz (ver o poder governamental…), enquanto elas são levadas a fazer prestações diretas para essa conservação; mas, na situação de miséria, (…) interna ou externa, a soberania é, [—] em cujo conceito simples se liga o organismo subsistente em suas particularidades (…) em que é confiada a salvação do Estado, com o sacrifício disso (…) justificado anteriormente [—], onde esse idealismo chega à sua efetividade própria (…).

§ 279

                2. A soberania (…) apenas é o pensamento universal dessa idealidade, apenas existe enquanto subjetividade certa de si mesma e enquanto autodeterminação abstrata da vontade, (…) desprovida de fundamento, na qual reside o elemento último da decisão. (…) é o elemento individual do Estado (…), que ele mesmo apenas nisso é um. Mas, em sua verdade, a subjetividade apenas é enquanto sujeito, a personalidade (…) enquanto pessoa, e na constituição que prosperou até a racionalidade real, cada um dos três momentos do conceito tem sua configuração separada, efetiva para si. (…) esse momento do todo, que decide absolutamente, não é a individualidade em geral, (…) é um indivíduo, o monarca.

                               O desenvolvimento imanente de uma ciência, a derivação de todo o seu conteúdo a partir do conceito simples (…) mostra (…) que um e o mesmo conceito, (…) o da vontade, é abstrato no começo, porque é o começo, se mantém, mas condensa suas determinações e (…) igualmente, apenas através de si mesmo e desse modo adquire um conteúdo concreto. (…) é o momento fundamental da personalidade, primeiramente abstrata no direito imediato, que se aperfeiçoou através de suas diversas formas de subjetividade e que aqui, no direito absoluto, no Estado, na objetividade perfeitamente concreta da vontade, é a personalidade do Estado, sua certeza de si mesmo, — (…) elemento último que suprassume todas as particularidades nesse simples si mesmo interrompe o ponderar das razões e das contrarrazões (…) se deixa oscilar para cá e para lá e que por um: eu quero, decide, e inicia toda ação e efetividade. — (…) além disso, a personalidade e a subjetividade  (…) enquanto elementos infinitos que estão em vinculação consigo, têm apenas pura e simplesmente verdade (…) no caso, sua verdade imediata, mais próxima, enquanto pessoa, enquanto sujeito sendo para si, e o sendo para si é igualmente, pura e simplesmente um. A personalidade do Estado é apenas efetiva enquanto uma pessoa, o monarca. Personalidade expressa o conceito (…), a pessoa contém ao mesmo tempo a efetividade do mesmo, e é apenas com essa determinação que o conceito é ideia, verdade. — Uma (…) pessoa moral, sociedade, comuna, família, por mais concreta que (…) seja dentro de si, tem (…) nela a personalidade (…) abstrata, enquanto momento; (…) ela não chegou à verdade de sua existência. Mas o Estado é (…) essa totalidade, na qual os momentos do conceito chegam à efetividade, segundo a sua vontade própria. — (…) o conceito de monarca é o (…) mais difícil para o raciocínio, (…) para a consideração reflexionante do entendimento, porque permanece nas determinações isoladas e, por isso, conhece apenas (…) razões, pontos de vista finitos e o deduzir a partir de razões. (…) apresenta, então, a dignidade do monarca  como algo de deduzido, não apenas quanto à forma, porém segundo sua determinação; seu conceito é antes não ser algo de deduzido, (…) começando pura e simplesmente a partir de si. (…) a representação mais acertada é a que considera o direito do monarca  como fundado na autoridade divina, pois nisso está contido o incondicionado do mesmo. Mas se sabe bem que mal-entendidos estão ligados a isso, (…) a tarefa da consideração filosófica é (…) conceituar esse divino.

                               Pode-se falar da soberania do povo no sentido de que, externamente, um povo seja autônomo e constitui um Estado, como o povo da Grã-Bretanha, mas os povos da Inglaterra ou da Escócia (…) etc. não seriam mais (…) soberanos, desde que deixaram seus príncipes ou governos supremos para si. — Pode-se (…) dizer da soberania interna de que ela reside no povo, se em geral apenas se fala do todo, (…) como se mostrou (…) de que a soberania compete ao Estado. Mas a soberania do povo, (…) estando em oposição à soberania que existe no monarca, é o sentido habitual (…) nos tempos modernos (…) — nessa oposição, a soberania do povo (…) cujo fundamento reside a representação desordenada do povo. O povo, (…) sem seu monarca e sem a articulação do todo que se conecta (…) a ele de maneira necessária e imediata, é a massa informe que não é mais nenhum Estado e à qual não compete mais nenhuma das determinações (…) presentes no todo formado dentro de si (…). — A fim de que tais momentos, que se vinculam com uma organização, com a vida do Estado, surjam em um povo, ele cessa de ser esse abstrato indeterminado, (…) na mera representação geral se chama povo. — Em um povo que nem se representa com uma linhagem patriarcal, nem em uma situação não-desenvolvida, em que são possíveis as formas da democracia ou da aristocracia (…), nem em qualquer outra situação arbitrária ou inorgânica, porém pensada enquanto (…) totalidade verdadeiramente orgânica, desenvolvida dentro de si, a soberania é, conforme a seu conceito, como a pessoa do monarca.

                               (…) do ponto de vista da unidade substancial que permanece ainda dentro de si, que ainda não chegou à sua diferenciação infinita e a seu aprofundamento dentro de si, o momento da última decisão a vontade que se determina a si mesma não surge para si na efetividade própria como momento imanente do Estado. (…) nessas configurações não-formadas do Estado, é sempre preciso que um ápice individual ou esteja presente para si, como nas monarquias que lhe correspondem, ou (…), como nas aristocracias, mas principalmente nas democracias, é preciso elevar-se em homens de Estado (…) segundo a contingência e o carecimento particular da circunstância; pois toda ação e efetividade têm seu começo e sua realização na unidade decidida de um chefe. (…) incluída na união dos poderes, que fica compacta, é preciso (…) que tal subjetividade do decidir seja contingente quanto a seu surgir e a seu emergir e (…) que seja (…) subordinada; (…) o decidir puro (…) não podia residir em outro lugar senão além de tais ápices condicionados, um fatum que determina de fora. Enquanto momento da ideia, precisava entrar na existência, (…) enraizando-se fora da liberdade humana e da sua esfera, que o Estado concebe.                                            

§ 280

                Nessa sua abstração, esse si (…) último da vontade do Estado é simples (…) por isso (…) singularidade imediata; com isso, em seu conceito mesmo reside a determinação da naturalidade; por isso o monarca é essencialmente enquanto esse indivíduo, abstraído e todo outro conteúdo, e (…) de modo imediato, natural, pelo nascimento natural, é determinado à dignidade de monarca.

                               Essa passagem do conceito da pura autodeterminação à imediatidade do ser e, com isso, à naturalidade é de natureza puramente especulativa (…) pertence (…) à filosofia lógica. De resto, é de todo a mesma passagem (…) como natureza da vontade, e é o processo de transpor ao ser-aí (…) um conteúdo da subjetividade (enquanto fim representado). Mas a forma própria da ideia e da passagem, (…) aqui (…) examinada, é o transformar imediato da pura autodeterminação da vontade (…) em um esse e em ser-aí natural sem a mediação por um conteúdo particular — (de um fim no agir). — Na (…) prova ontológica da existência de Deus, é o mesmo transformar do conceito absoluto no ser, o que constituiu na época moderna a profundeza da ideia, mas (…) na época mais recente foi dado por inconceituável, — (…) renunciou-se ao conhecimento da verdade, porque apenas a unidade do conceito e do ser-aí (§ 23) é a verdade. (…) a consciência do entendimento não tem essa unidade dentro de si e (…) permanece na separação (…), ela admite ainda, (…) um crer nessa unidade. Mas, dado que a representação do monarca é (…) como revertendo inteiramente para a consciência habitual, (…) o entendimento fica aqui tanto mais em sua separação e nos resultados que decorrem dali, de sua inteligência raciocinante, e então nega que o momento da decisão última, no Estado, seja em si e para si (isto é, no conceito racional) ligado com a naturalidade imediata; (…) se segue, inicialmente, a contingência dessa ligação, e visto que a diversidade absoluta desses monarcas é afirmada como sendo o racional, segue, em seguida, a irracionalidade de tal ligação, (…) que se liga as outras consequências que arruínam a ideia do Estado.

§ 281

                Ambos os momentos, em sua unidade indivisa, o si mesmo último da vontade, sem fundamento, e com isso a existência (…) sem fundamento, enquanto determinação deixada com a natureza, — essa ideia do não-movido pelo arbítrio constituiu a majestade do monarca. Nessa unidade reside a unidade efetiva do Estado, que (…) é subtraída por essa sua imediatidade externa e interna à possibilidade de ser reconduzida à esfera da particularidade, do seu arbítrio, dos seus fins e das suas maneiras de ver, à luta das facções contra facções pelo trono e à debilitação e à desintegração do poder do Estado.

                               Direito de nascimento e (…) de sucessão constituem o fundamento da legitimidade (…) fundam não meramente um direito positivo, porém, ao mesmo tempo, um direito na ideia. — (…) a sucessão do trono é determinada estavelmente (…) mediante a sucessão natural, (…) se evitam as facções na provisão do trono[;] é um aspecto que (…) se fez valer, há muito tempo, a favor da hereditariedade do mesmo. (…) esse aspecto é apenas uma consequência e, convertido em fundamento, (…) rebaixa a majestade à esfera do raciocínio e atribui como seu fundamento, cujo caráter é a imediatidade sem fundamento e esse ser-dentro-de-si último, não a sua ideia imanente de Estado, (…) algo externo a ela, um pensamento diverso dela, (…) como bem-estar do Estado ou do povo. (…) pode-se deduzir a hereditariedade por medios termos; mas ela admite também outros medio termos e (…) outras consequências (…). — (…) apenas a filosofia pode considerar essa majestade de maneira pensante, pois todo outro modo (…), que não o do (…) especulativo da ideia infinita, fecunda dentro de si mesma, suprassume em si e para si a natureza da majestade. — O reino efetivo parece (…) ser a representação mais natural (…) ela se mantém mais próxima da superficialidade do pensamento; porque seria sobre o assunto e (…) interesse do povo que o monarca teria de cuidar, (…) precisaria também conceder ao povo a escolha de quem esse quer encarregar o cuidado de seu bem-estar, (…) apenas dessa incumbência que surgiria o direito de governar. Essa maneira de ver, (…) a representação do monarca enquanto supremo funcionário do Estado, (…) uma relação contratual entre ele e o povo etc.,  procede da vontade enquanto bel-prazer, opinião e arbítrio de muitos, — uma determinação que, como se considerou há muito tempo, vale, ou antes quer apenas fazer-se valer, como primeira na sociedade civil-burguesa, mas que não é nem o princípio da família e menos ainda o do Estado e que é oposta (…) à ideia de eticidade. — Em um império eletivo, (…) mediante a natureza da relação, pela qual a vontade particular [partikuläre] se faz (…) o decidir (…), a constituição torna-se uma capitulação eleitoral, (…) uma entrega do poder do Estado à discrição da vontade particular, da qual surge a transformação dos poderes particulares do Estado em propriedade privada, a debilitação e a perda da soberania do Estado e (…) sua dissolução interna e (…) desintegração externa.

§ 282

                Da soberania do monarca deriva o direito de graça aos criminosos, pois apenas a ela compete a efetivação do poder do espírito, o de tornar o acontecido em não-acontecido (…) de anular o crime no perdoar e no esquecer.

                               O direito de graça é um dos reconhecimentos mais elevados da majestade do espírito. — (…) pertence às aplicações ou aos reflexos das determinações da esfera superior sobre a precedente. — Mas semelhantes aplicações pertencem à ciência particular, que trata de seu objeto em seu âmbito empírico (…). — Pertence também a tais aplicações o fato de que as lesões contra o Estado (…) ou contra a soberania, a majestade e a personalidade do príncipe, sejam subsumidas sob o conceito de crime (…) e, no caso, os crimes supremos, [assim como] o procedimento particular etc. tornam-se determinados.

§ 283

                O segundo [momento] contido no poder do príncipe é o (…) da particularidade, ou do conteúdo determinado e da subsunção do mesmo sob o universal. À medida que recebe uma existência particular, (…) as repartições consultivas superiores e os indivíduos (…) levam diante do monarca, em vista de sua decisão, o conteúdo dos assuntos do Estado que se apresentam ou as determinações legais que se tornam necessárias a partir dos carecimentos presentes, com seus aspectos objetivos, o fundamento da decisão, as leis (…) em relação com isso, (…) etc. A escolha dos indivíduos para essas ocupações (…) recai sem delimitação no arbítrio do monarca, visto que eles tratam com sua pessoa imediata.

§ 284

                Na medida em que o elemento objetivo da decisão, o conhecimento do conteúdo e das circunstâncias, os fundamentos legais e outros fundamentos de determinação, é o único suscetível de responsabilidade, (…) de demonstrar a objetividade e (…) pode corresponder (…) a um conselho distinto da vontade pessoal do monarca, essas repartições consultivas ou esses indivíduos estão somente submetidos à responsabilidade; mas a majestade própria do monarca, (…) subjetividade última que decide, está elevada acima de toda responsabilidade pelas ações de governo.

§ 285

                O terceiro momento do poder do príncipe concerne ao universal em si e para si, que reside, de um ponto de vista subjetivo, na consciência moral do monarca, e de um (…) objetivo, no todo da constituição e nas leis; o poder do príncipe pressupõe nessa medida os outros momentos, assim como cada um desses o pressupõe.

§ 286

                A garantia objetiva do poder do príncipe, da sucessão jurídica segundo a hereditariedade (…) etc., reside em que, assim como essa esfera tem sua efetividade separada dos outros momentos determinados pela razão, (…) igualmente as outras esferas têm para si os direitos e as obrigações próprios de sua determinação; cada elo, visto que se conserva para si, conserva no organismo racional, com isso, precisamente os outros elos na sua peculiaridade.

                               Na relação orgânica, na qual membros, não partes, relacionam-se uns com os outros, cada um conserva os outros, visto que desempenha sua própria esfera; o fim substancial e o produto para cada um são a própria autoconservação e (…) a conservação dos outros membros. As garantias, (…) reivindicadas, (…) em vista da estabilidade da sucessão ao trono, do poder do príncipe em geral, para a justiça, a liberdade pública etc. são asseguradas mediante as instituições. O amor do povo, o caráter, o juramento, o poder etc. podem ser (…) garantias subjetivas, mas, logo que se fala de constituição, se trata apenas de garantias objetivas, de instituições, de momentos que se condicionam e delimitam-se organicamente. Assim, a liberdade pública (…) e a hereditariedade do trono são garantias recíprocas e estão em conexão absoluta, porque a liberdade pública é a constituição racional, e a hereditariedade do poder do príncipe (…) é o momento que reside em seu conceito.

[Painting: King Karl XV of Sweden’s Portrait by Arvid Gottfried Virgin, copy of Georg von Rosen’s original, 1874]

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Filosofia Política, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Terceira Seção – III]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 253-260.

I. Constituição Interna para Si

§ 272

                A constituição é racional à medida que o Estado diferencia e determina dentro de si sua atividade eficaz segundo a natureza do conceito, (…) de modo que cada um desses poderes ele (…) seja dentro de si a totalidade, de que eles têm e contêm dentro de si eficazmente os outros momentos, porque (…) expressam a diferença do conceito, permanecem (…) em sua idealidade e constituem apenas um todo individual.

                               Sobre a constituição, (…) como sobre a razão mesma, ocorreu uma infinita quantidade de palavrório na época moderna e (…) na Alemanha, chegou ao mundo o mais insípido, através dos que se persuadiram de que entendem melhor o que é (…), e opinavam que tinham para isso uma legitimação irrecusável, pelo fato de que a religião e a piedade deviam ser o fundamento (…). (…) as palavras razão, esclarecimento, direito etc., assim como constituição e liberdade, se tornassem repugnantes para os homens racionais, e também de que alguém pudesse se envergonhar de participar de uma conversação sobre constituição política. Mas, ao menos, pode-se esperar que este fastio terá por efeito universal essa convicção de que um conhecimento filosófico de tais objetos não pode provir do raciocínio, de fins, de fundamentos, de utilidades, ainda muito menos do ânimo, do amor e do entusiasmo, porém somente do conceito (…) seria preciso que aqueles que tomam o direito por inconcebível e o conhecimento do verdadeiro por um vão empreendimento se abstivessem de participar da conversação.

                               Entre as representações correntes é de mencionar (…) a  necessária divisão dos poderes do Estado, — uma determinação da mais elevada importância, que poderia, com razão, se fosse tomada em seu sentido verdadeiro, ser considerada como a garantia da liberdade pública, (…); — pois é (…) nela que reside o momento da determinidade racional. O princípio da divisão dos poderes contém (…) o momento essencial da diferença, da racionalidade real; mas (…) como o entendimento abstrato o apreende, nisso reside, em parte, a falsa determinação da autonomia absoluta dos poderes uns frente aos outros, em parte, a unilateralidade de apreender sua relação de uns aos outros como uma relação negativa, como uma delimitação recíproca. (…) torna-se uma hostilidade, um medo de cada um [dos poderes], o que cada um produz frente aos outros, como frente a um mal, com a determinação de opor-se a eles e de provocar, por esse contrapeso, um equilíbrio universal, mas não uma unidade viva. Apenas a autodeterminação do conceito dentro de si(…) contém a origem absoluta dos poderes distintos, e (…) somente por causa dela que a organização do Estado é (…) racional dentro de si e o retrato da razão eterna. — Como o conceito e (…) em modo concreto a ideia se determinam neles mesmos e põem, com isso, abstratamente seus momentos de universalidade, de particularidade e de singularidade, isso é de se conhecer a partir da Lógica (…). — Tomar (…) o negativo como ponto de partida e fazer, em primeiro lugar, o querer do Mal e a desconfiança contra ele e, a partir dessa pressuposição, planejar então astutamente barreiras, conceber a unidade com uma eficácia apenas das barreiras umas frente às outras, isso caracteriza, segundo o pensamento, o entendimento negativo (…). Com a autonomia dos poderes (…), a do poder executivo e a do poder legislativo (…) está posto imediatamente (…) a desintegração o Estado ou, na medida em que o Estado essencialmente se conserva, a luta pela qual um poder submete o outro, através do qual efetiva inicialmente a unidade, de qualquer maneira que seja procurada, e assim é somente que salva o essencial, o subsistir do Estado.

§ 273

                O Estado político dirime-se (…) nas diferenças substanciais:

                a) o poder de determinar e de fixar o universal, — o poder legislativo;

                b) a subsunção das esferas particulares e dos casos singulares sob o universal — o poder governamental;

                c) a subjetividade enquanto última decisão da vontade, o poder do príncipe, — (…) os poderes distintos são reunidos em uma unidade individual, que (…) é o ápice e o começo do todo, — a monarquia constitucional.

                               A formação do Estado até a monarquia constitucional é obra do mundo moderno, em que a ideia substancial adquiriu a forma infinita. A história desse aprofundamento do espírito do mundo dentro de si (…) essa livre formação em que a ideia despede de si seus momentos — e que apenas são seus momentos — como totalidades e os contém (…) na unidade do conceito, enquanto nisso consiste a racionalidade real, — a história dessa configuração verdadeira da vida ética é assunto da história mundial universal.

                               A antiga divisão das constituições em monarquia, aristocracia e democracia tem por seu fundamento a unidade substancial ainda indivisa, que ainda não chegou à sua diferenciação interna (uma organização desenvolvida dentro de si) (…) à profundidade e à racionalidade concreta. (…) essa divisão é verdadeira e exata para aquele ponto de vista do mundo antigo; (…) a diferença, enquanto está nessa unidade ainda substancial, não prosperou até o desdobramento absoluto dentro de si, é (…) uma diferença exterior e aparece como diferença do número (…) desses momentos, em que essa unidade substancial deve ser imanente. Essas formas (…) são rebaixadas a momentos na monarquia constitucional; o monarca é um; com o poder governamental intervêm alguns e com o (…) legislativo intervém (…) a pluralidade. Mas tais diferenças meramente quantitativas (…) são apenas superficiais e não dão o conceito da Coisa. (…) não é pertinente que, nos tempos modernos, se tenha falado tanto do elemento democrático, aristocrático na monarquia, pois essas determinações (…), na medida em que (…) têm lugar na monarquia, não são mais algo democrático e aristocrático. — De resto, pode-se afirmar (…) que também para a ideia essas três formas (a monárquica, incluída na significação delimitada, (…) na que ela é situada ao lado da forma aristocrática e da democrática) são indiferentes, mas no sentido oposto, porque elas em conjunto não são conformes à ideia em seu desenvolvimento racional (…), e essa em nenhuma dessas formas poderia alcançar seu direito e sua efetividade. (…) tornou-se (…) questão totalmente ociosa perguntar qual entre elas seria a melhor; — o discurso sobre tais formas pode ser apenas de modo histórico. — Aliás, é preciso reconhecer (…) o olhar profundo de Montesquieu (…) dos princípios dessas formas de governo (…). (…) ele indicou a virtude como o princípio da democracia; pois, de fato, tal constituição repousa sobre a disposição de espírito, enquanto forma apenas substancial, na qual a racionalidade da vontade sendo em si e para si ainda existe nela. (…) quando Montesquieu acrescenta que a Inglaterra, no século XVII, deu o belo espetáculo de mostrar como impotentes os esforços para erigir uma democracia, visto que faltou a virtude dos líderes, — e quando (…) acrescenta (…) que, se a virtude desaparece na república, a ambição apodera-se daqueles cujo ânimo é capaz disso  e a cobiça apodera-se de todos, e em seguida o Estado, uma presa universal, apenas tem sua força no poder de alguns indivíduos e na licenciosidade de todos, — assim, sobre isso, é de se observar que, numa situação mais cultivada da sociedade e numa desenvolvimento e num tornar livre das forças da particularidade, a virtude dos chefes de Estado torna-se insuficiente e é requerida outra forma de lei racional (…) a fim de que o todo possua a força de manter-se unido e que conceda às forças da particularidade desenvolvida tanto seu direito positivo como seu (…) negativo. (…) é de se afastar (…) o mal-entendido, como se, com isso, a disposição de espírito da virtude fosse a forma substancial na república democrática, de que (…) fosse dispensável ou mesmo ausente na monarquia e como se a virtude e a eficácia legalmente determinada em uma organização articulada fossem totalmente opostas e incompatíveis entre si. — Que a moderação seja o princípio na aristocracia traz (…) o início da separação do poder público e do interesse privado, que (…) se tocam de maneira tão imediata, que essa constituição se encontra dentro de si no ponto de tornar-se imediatamente a situação mais árdua de tirania ou de anarquia (…) e de aniquilar-se.

                               Uma outra questão apresenta-se (…). Quem deve fazer a constituição? (…) ela pressupõe que nenhuma constituição está presente, assim seria uma mera multidão atomística de indivíduos juntos. Como uma multidão chegaria a uma constituição se através de si ou de outros, se através da bondade, do pensamento ou da força, isso é preciso lhe confiar, pois com uma multidão o conceito nada tem a fazer. — Mas se essa questão já pressupõe uma constituição ali presente, assim o fazer significa apenas uma modificação, e a pressuposição de uma constituição contém ela mesma, imediatamente o fato de que a modificação apenas pode ocorrer por uma via conforme a constituição. — (…) em geral, é de todo essencial que a constituição, embora surgida no tempo, não seja vista como algo feito; pois ela é antes pura e simplesmente sendo em si e para si, o qual é, (…) de se considerar como o divino e o persistente e como acima da esfera do que é feito.

§ 274

                (…) o espírito apenas é enquanto efetivo, enquanto ele se sabe, e o Estado, enquanto espírito de um povo, igualmente é a lei compenetrando todas as suas relações, os costumes e a consciência de seus indivíduos, (…) a constituição de um povo determinado depende (…) do modo e da cultura da autoconsciência do mesmo; nessa reside sua liberdade subjetiva, (…) com isso a efetividade da constituição.

                               Querer dar a priori a um povo uma constituição, ainda que mais ou menos racional quanto a seu conteúdo, — essa fantasia negligenciaria precisamente o momento pelo qual ela é mais do que um ente de pensamento. (…) por causa disso (…) cada povo possui a constituição que lhe é adequada e que lhe compete.

[Painting: The Oath of Lafayette at the Festival of the Federation, 14th July 1790, by Jacques Louis David]

Publicado em Estudos Sociológicos, Filosofia, Filosofia Política, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Terceira Seção – II]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 241-253.

§ 270

                Que o fim do Estado é o interesse universal (…) e nisso, enquanto sua substância, a conservação dos interesses particulares constitui 1. sua efetividade abstrata ou sua substancialidade; mas ela é 2. sua necessidade enquanto ela se dirime nas diferenças conceituais da sua atividade eficaz, que, por sua substancialidade, são (…) determinações efetivas estáveis, poderes; 3. mas precisamente essa substancialidade é o espírito que se sabe e quer, enquanto atravessou a forma da cultura. (…) o Estado sabe o que ele quer, e o sabe em sua universalidade, enquanto algo pensado; (…) ele atua e age segundo fins conscientes, (…) princípios conhecidos e (…) leis que não são apenas em si, porém para a consciência; (…) à medida que suas ações se vinculam com as circunstâncias e as relações presentes, (…) atua e age segundo o conhecimento determinado das mesmas.

                               (…) a relação do Estado com a religião, visto que se repetiu muitas vezes nos tempos modernos que a religião seria fundamento do Estado e (…) que essa afirmação é também emitida com a pretensão de que com ela a ciência do Estado estaria esgotada, — (…) nenhuma afirmação é mais apropriada a produzir tanta confusão e (…) a erigir a própria confusão na constituição do Estado, na forma que o conhecimento deveria ter. — Pode, inicialmente, parecer suspeito que a religião seja principalmente recomendada e buscada para as épocas de miséria pública, (…) desorganização e (…) opressão e que seja indicada como consolação frente ao ilícito e (…) esperança de reparação da perda. Quando se considera (…) como uma instrução da religião, ser indiferente (…) aos interesses mundanos, ao curso e às ocupações da efetividade, enquanto o Estado é o espírito que está no mundo: assim a ênfase (…) na religião parece imprópria para elevar o interesse e a ocupação do Estado a um fim sério essencial (…) tudo no regime do Estado parece dever passar por Coisa de arbítrio indiferente (…) como se no Estado, os fins das paixões, da violência ilícita etc. seriam o dominante ou que tal ênfase na religião queira (…) valer somente para si e reivindicar o determinar e o manejar do direito. (…) seria considerado um escárnio se todo sentimento contra a tirania fosse recusado pelo fato de que o oprimido encontraria seu consolo na religião: (…). (…) não convém falar de maneira totalmente geral da religião e contra ela, como ela é em certas figuras, se exige muito mais um poder salvador, que toma sobre si os direitos da razão e da autoconsciência. — (…) a determinação essencial (…) obtém-se apenas à medida que se recorda seu conceito. A religião tem por seu conteúdo a verdade absoluta e, com isso, recai nela (…)  mais elevada disposição de espírito. Como intuição, sentimento, conhecimento representativo que se ocupa com Deus, como fundamento e causa indelimitados do que tudo depende, ela contém a exigência de que tudo se torne (…) apreendido nessa vinculação e alcance nela sua confirmação, (…) justificação, (…) certificação. O Estado e as leis, (…) [também] as obrigações, adquirem (…), para a consciência, a comprovação suprema e a obrigatoriedade suprema; pois o próprio Estado, as leis e as obrigações são, em sua efetividade, algo determinado, que passa a uma esfera superior (…). (…) a religião contém (…) o lugar em todas as mudanças e na perda dos fins, dos interesses e das posses efetivos, que concede a consciência do imutável e da liberdade e da satisfação supremas. Se, então, a religião constitui o fundamento que contém o elemento ético (…) mais precisamente a natureza do Estado enquanto vontade divina, (…) é apenas fundamento o que ela é, e é aqui onde os dois se separam. O Estado é vontade divina enquanto espírito presente, desdobrando-se em figura efetiva e organização de um mundo. — Os que querem, contra o Estado, permanecer na forma da religião comportam-se como os que (…) opinam que eles têm o direito de ficar sempre apenas na essência e não progredir, a partir desse elemento abstrato, até o ser-aí (…). A religião é a relação com o absoluto, na forma do sentimento, da representação, da fé e em seu centro contém tudo, tudo é apenas acidental, evanescente. Caso se fixe essa forma (…) em vinculação com o Estado, de modo que seria para ele também o essencialmente determinante e válido, assim ele é (…) entregue à instabilidade, à insegurança e à desorganização. O objetivo e o universal, as leis, em vez de serem determinadas como subsistentes e válidas, recebem determinação de algo negativo frente àquela forma que envolve todo o determinado e (…) torna algo subjetivo (…). (…) na medida em que esse comportamento negativo não fica uma mera disposição de espírito interna e um ponto de vista interno, porém se dirige à efetividade e nela se faz valer, surge o fanatismo religioso, que (…) bane todas as instituições do Estado e todo ordenamento legal como limites restritivos e inapropriados à infinitude interior do ânimo e que, com isso, bane a propriedade privada, o casamento, as relações e os trabalhos da sociedade civil-burguesa etc. (…). Contudo, visto que para o ser-aí e o agir efetivo é preciso decidir-se, (…) intervém o mesmo (…) no caso da subjetividade da vontade, que se sabe como o absoluto (…), de modo que se decida a partir da representação subjetiva (…) do opinar e do bel-prazer do arbítrio. — (…) contra esse verdadeiro, que se oculta na subjetividade do sentir e do representar, o verdadeiro é o prodigioso transpor do interno para o externo, a imaginação da razão na realidade, (…) cujo trabalho a humanidade cultivada conquistou a efetividade e a consciência do ser-aí racional, das instituições do Estado e das leis. Daqueles que buscam o Senhor (…) que, na sua opinião inculta, garantem possuir tudo imediatamente, ao invés de (…) elevar sua subjetividade ao conhecimento da verdade e ao saber do direito objetivo e da obrigação, apenas pode provir a destruição de todas as relações éticas, a tolice a abominação, — consequências necessárias da disposição de espírito religioso que se atém, de forma exclusiva, à sua forma e (…) se volta (…) contra a efetividade e contra a verdade ali presente, na forma do universal, das leis. (…) não é necessário que essa disposição (…) progrida (…) até a efetivação; ela pode, com seu ponto de vista negativo, (…) ficar (…) como algo de interno, submeter-se às instituições e às leis e dar-se por satisfeita com a resignação (…). (…) a fraqueza, (…) em nossa época fez da religiosidade uma modalidade polêmica de piedade, (…) ela se liga a um verdadeiro carecimento ou (…) meramente, a uma vaidade não satisfeita. Em lugar de coagir seu opinar com o trabalho do estudo e de submeter seu querer à disciplina e de se elevar, assim, à livre obediência, é menos custoso renunciar ao conhecimento da verdade objetiva, conservar um sentimento de abatimento e, com isso, conservar a devoção e de ter na devoção todos os requisitos para penetrar a natureza das leis e das instituições do Estado, para negá-las e (…) indicar como elas deveriam e teriam de ser arranjadas e, no caso, de maneira infalível e intocável, porque isso provém de um coração piedoso; pois, assim, pelo fato de que as intenções e as afirmações fazem da religião seu fundamento, não se poderia atacá-las, nem segundo sua superficialidade, tampouco segundo sua ilicitude.

                               (…) na medida em que a religião, quando (…) é de modo verdadeiro, está desprovida de tal orientação negativa e polêmica contra o Estado, a qual antes o reconhece e o confirma, assim ela possui, (…) para si, sua situação e sua externação. A tarefa de seu culto consiste em ações e em doutrina; (…) ela precisa de posses e de propriedade, assim como de indivíduos dedicados ao serviço da comunidade. Surge, com isso, uma relação entre o Estado e a comunidade eclesial. A determinação (…) é simples. Está na natureza da Coisa que o Estado cumpra uma obrigação de conceder (…) toda a sua assistência para seus fins religiosos e de lhe garantir proteção (…), de exigir de todos os seus integrantes que pertençam a uma comunidade eclesial (…). O Estado, formado em sua organização e, por isso, forte, pode proceder (…) de maneira mais liberal, negligenciar de todo as singularidades que o afetariam e mesmo suportar dentro de si comunidades (…) às quais mesmo não reconhecem religiosamente as obrigações diretas para com ele, visto que ele deixa os membros dessas à sociedade civil-burguesa sob suas leis e contentando-se, de maneira passiva, com o cumprimento das obrigações diretas para com ele [o Estado] (…). — Mas, na medida em que a comunidade eclesial possui propriedade, pratica outras ações de culto e tem (…) indivíduos a seu serviço, ela entra a partir do interno no mundano (…) no domínio do Estado e coloca-se através disso imediatamente sob suas leis. (…) — No que se refere a outras externações, (…) no âmbito da doutrina o interno é mais preponderante frente ao externo do que nas ações do culto e de outros comportamentos que a ele se vinculam, em que o aspecto jurídico ao menos aparece (…) para si como assunto de Estado (…). — (…) o aspecto da administração pública é certamente mais indeterminado, mas isso reside na natureza desse aspecto (…). À medida que a coletividade religiosa de indivíduos se eleva ao nível de uma comunidade, de uma corporação, ela se encontra (…) sob a supervisão administrativa superior do Estado. — Mas a doutrina mesma tem seu domínio na consciência moral, encontra-se no direito da liberdade subjetiva da autoconsciência, — na esfera da interioridade, que (…) não constitui o domínio do Estado. Contudo, o Estado também tem uma doutrina, (…) suas instituições e o que (…) vale pra ele a respeito do direito, da constituição etc. estão essencialmente enquanto lei na forma do pensamento, e (…) ele não é nenhum mecanismo, porém a vida racional da liberdade autoconsciente, o sistema do mundo ético, assim a disposição de espírito e logo a consciência da mesma nos princípios são um momento essencial no Estado efetivo. (…) a doutrina da Igreja não é somente algo interno da consciência moral, porém é antes, enquanto doutrina, externação e (…) externação a respeito de um conteúdo que se liga, da maneira mais íntima, com os princípios éticos e as leis do Estado ou que lhes concerne mesmo imediatamente. Portanto Estado e Igreja se encontram aqui diretamente em acordo ou em oposição. A diversidade dos dois domínios pode ser levada pela Igreja até a oposição brusca, de modo que (…) considere o espiritual (…) e nisso também o elemento ético, como sua parte, mas o Estado como um suporte mecânico para fins exteriores não-espirituais, a ponto de conceber-se como o reino de Deus ou, ao menos como uma via (…) a ele[;] mas concebe o Estado como o reino do mundo (…) do transitório e do finito, ela se concebe, com isso, como autofim, mas (…) o Estado (…) enquanto mero meio. Com essa pretensão se liga (…), no que diz respeito ao ensinamento [doutrinal], a exigência de que o Estado nesse domínio não apenas deixe a Igreja atuar com liberdade completa, porém tenha um respeito incondicionado por seu ensinamento (…) pois essa determinação apenas compete a ela (…) ensinar. (…) — De resto, é indiferente para essa relação se os indivíduos e os líderes, que se dedicam ao serviço da comunidade, tenham chegado quase até uma existência separada do Estado, (…) apenas os demais membros estariam submissos ao Estado ou ao invés permanecem no Estado e que sua determinação eclesial apenas seja um aspecto de sua situação, a qual eles mantêm separada frente ao Estado. — Inicialmente, é de se observar que tal relação se liga com a representação do Estado (…) considerado uma organização da miséria. O elemento do espiritual superior, do verdadeiro em si e para si, é colocado, (…) enquanto religiosidade subjetiva ou (…) ciência teórica além do Estado, enquanto laico em si e para si, apenas tem de respeitá-los, e assim o propriamente ético cai totalmente fora dele. (…) Mas é um procedimento cego e superficial apresentar essa posição com a que é verdadeiramente conforme a ideia. O desenvolvimento dessa ideia demonstrou antes isso como verdade de que o espírito, (…) livre e racional, é em si ético, e a ideia verdadeira é a racionalidade efetiva e é essa que existe enquanto Estado. (…) resultou (…) de que nela a verdade ética é, para a consciência pensante, enquanto conteúdo trabalhado na forma da universalidade, enquanto lei — o Estado (…) sabe seus fins, conhece-os e os realiza com uma consciência determinada e segundo princípios. (…) a religião tem, então, o verdadeiro por seu objeto universal, contudo, enquanto um conteúdo dado, que não é conhecido em suas determinações fundamentais mediante o pensamento e o conceito; (…) a relação do indivíduo com esse objeto é uma obrigação fundada numa autoridade, e o testemunho do espírito e do coração próprios, na medida em que é aquilo em que o momento da liberdade está contido, é e sentimento. — É o discernimento filosófico que conhece que a Igreja e o Estado não estão em oposição quanto ao conteúdo da verdade e da racionalidade, mas numa diferença de forma. (…) Como o conteúdo, sendo em si e para si, aparece na (…) religião enquanto um conteúdo particular, (…) doutrinas próprias da Igreja como comunidade religiosa, (…) eles ficam fora do âmbito do Estado (…); visto que os princípios éticos e a ordem estatal (…) transportam-se para o domínio da religião, e não apenas se deixam pôr em vinculação com ela, porém devem também ser postos em vinculação com ela, (…) essa vinculação, de uma parte, dá ao Estado mesmo a certificação religiosa; de outra parte, permanecem-lhe o direito e a forma da racionalidade objetiva, autoconsciente, o direito de fazê-la valer e de afirmá-la contra afirmações que surgem da figura subjetiva da verdade, seja qual for a segurança e a autoridade de que ela se cerque. Porque o princípio de sua forma, (…) universal, é essencialmente o pensamento, assim sucedeu também que de seu lado procedeu a liberdade de pensamento e da ciência (…). (…) a ciência também tem o seu lugar a seu lado; (…) ela tem o mesmo elemento da forma que o Estado, ela tem o fim do conhecer e, de fato, da verdade objetiva pensada e da racionalidade. O conhecimento pensante pode (…) também decair da ciência para o opinar e para o raciocinar a partir de razões, voltando-se para objetos éticos e para a organização do Estado, pondo-se em contradição com os seus princípios e (…) também com as mesmas pretensões que a Igreja faz para o que lhe é próprio em seu opinar, enquanto razão e direito da autoconsciência subjetiva de ser livre em sua opinião e em sua convicção. (…) apenas cabe a observação de que, segundo uma parte, o Estado, frente ao opinar, — precisamente na medida em que é apenas opinião, um conteúdo subjetivo e, por isso, sem nenhuma força e (…) poder verdadeiros dentro de si (…), — pode praticar uma indiferença infinita, (…). (…) de outra parte, o Estado toma sob sua proteção a verdade objetiva e os princípios da vida ética frente a esse opinar de maus princípios, visto que esse se faz de si um ser-aí universal que corrói a efetividade, (…) na medida em que o formalismo da subjetividade incondicionada queira tomar por fundamento o ponto de partida científico e elevar os estabelecimentos de ensino do próprio Estado até a pretensão de uma Igreja e voltá-los contra ele, (…) como, no todo, face à Igreja que reclama uma autoridade indelimitada e incondicionada, ele tem, inversamente, de fazer valer o direito formal da autoconsciência a seu próprio discernimento, à sua convicção e (…) ao pensamento do que deve valer como verdade objetiva.

                                A unidade do Estado e da Igreja, (…) determinação que foi muito comentada (…) e que foi erigida em ideal supremo, pode ainda ser mencionada. Se a unidade essencial deles é a da verdade dos princípios e da disposição de espírito, assim é igualmente essencial que com esse unidade da diferença que possuem na forma de sua consciência tenham chegado à existência particular. No despotismo oriental, essa unidade tantas vezes desejada (…) está presente, mas, com isso, não está presente o Estado — pois não é a configuração autoconsciente do espírito, a única digna dele, no direito, na eticidade livre e no desenvolvimento orgânico. — (…) para que o Estado chegue ao ser-aí enquanto efetividade ética do espírito, que se sabe, sua diferenciação com a forma da autoridade e da fé é necessária; (…) essa diferenciação apenas surge na medida em que o aspecto eclesial chega dentro de si mesmo à separação; apenas assim, acima das Igrejas particulares, o Estado adquiriu universalidade do pensamento, o princípio de sua forma e o levou à existência (…). (…) é tanto mais uma falha que a separação eclesial seria, ou teria sido, uma desgraça para o Estado, pois apenas por ela ele pôde chegar a ser o que é sua determinação, a racionalidade e a eticidade autoconscientes.

§ 271

                A constituição política é em primeiro lugar: a organização do Estado e o processo de sua vida orgânica em vinculação consigo mesmo, no qual ele diferencia seus momentos no interior de si mesmo e os desdobra até o subsistir.

                Em segundo lugar, enquanto (…) individualidade, (…) é um uno excludente, que com isso se relaciona com outros [Estados], (…) volta sua diferenciação para fora e, conforme essa determinação, põe suas diferenças subsistentes no interior de si mesmo, na sua idealidade.    

[Pintura: A decapitação de São João Batista (1455-1460) por Giovanni di Paolo]

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Filosofia Política, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Terceira Seção – I]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 229-241.

TERCEIRA SEÇÃO

O Estado

§ 257

                O Estado é a efetividade da ideia ética, — o espírito ético enquanto vontade substancial manifesta, nítida a si mesma, que se pensa e se sabe e realiza o que sabe e na medida em que sabe. No costume (…) tem sua existência imediata (…), na autoconsciência do singular, no saber e na atividade do mesmo, a sua existência mediada (…) mediante a disposição de espírito nele [no Estado], como sua essência, seu fim e seu produto de sua atividade, tem sua liberdade substancial.

                               Os Penates são deuses inferiores, internos, o espírito do povo (Athena), o divino que se sabe e que se quer; a piedade [é] o sentimento e a eticidade (…) no sentimento — a virtude política [é] o querer do fim pensado sendo em si e para si.

§ 258

                 O Estado, (…) efetividade da vontade substancial, que ele tem na autoconsciência particular elevada à sua universalidade, é o racional em si e para si. Essa unidade substancial é um autofim imóvel absoluto, (…) a liberdade chega a seu direito supremo, (…) esse fim último tem o direito supremo frente aos singulares, cuja obrigação suprema é ser membro do Estado.

                               — (…) ele tem uma relação inteiramente outra com o indivíduo; (…) ele é o espírito objetivo, assim o indivíduo mesmo tem apenas objetividade, verdade e eticidade enquanto é um membro dele. A união (…) é, ela mesma, o conteúdo verdadeiro e o fim, e a determinação dos indivíduos é levar uma vida universal; sua satisfação particular ulterior, sua atividade, (…) modo de comportamento têm por seu ponto de partida e resultado esse substancial e válido universalmente. — A racionalidade, (…) abstratamente, consiste, (…), na unidade em que se compenetram a universalidade e a singularidade e (…) concretamente, segundo o conteúdo, (…) na unidade da liberdade objetiva, (…) da vontade substancial universal e da liberdade subjetiva, enquanto saber individual e da vontade buscando seus fins particulares, — (…) segundo a forma, num agir determinando-se segundo leis e princípios pensados, isto é, universais. — Essa ideia é o ser em si e para si eterno e necessário do espírito. (…) Rousseau teve o mérito de ter estabelecido como princípio do Estado um (…) que não apenas segundo sua forma (…), porém segundo o conteúdo é pensamento, e de fato é o próprio pensar, (…) a vontade. (…) ele apreendeu a vontade somente na forma determinada da vontade singular (como posteriormente também Fichte) e a vontade universal não enquanto o racional da vontade em si e para si, porém apenas enquanto o coletivo, que provém dessa vontade singular enquanto consciente: assim a união dos singulares no Estado torna-se um contrato, (…) tem por fundamento seu arbítrio, (…) se seguem as consequências ulteriores do mero entendimento, destruindo o divino sendo em si e para si e a sua autoridade e majestade absolutas. (…) tendo chegado ao poder, essas abstrações (…) produziram o primeiro espetáculo prodigioso de instaurar (…) inteiramente a partir do início e do pensamento, a constituição de um grande Estado efetivo com a reviravolta de todo o subsistente e dado, e de querer lhe dar meramente por base, o pretensamente racional[;] (..) porque são abstrações desprovidas de ideias, (…) fizeram dessa tentativa o acontecimento mais terrível e mais ofensivo. — Contra o princípio da vontade singular (…) o conceito fundamental de que a vontade objetiva é o racional em si no seu conceito, (…) seja conhecido pelos singulares e querido por seu bel-prazer ou não: — de que o termo oposto, o saber e o querer, a subjetividade da liberdade que é mantida somente nesse princípio, apenas contém um momento[;] (…) o momento unilateral da ideia da vontade racional, que apenas é tal pelo fato de ser tanto em si como é para si.

§ 259

                A ideia do Estado tem:

                a) uma efetividade imediata, (…) é o Estado individual enquanto organismo que está em relação consigo, — constituição ou direito estatal interno;

                b) ela passa à relação do Estado singular com outros Estados, — direito estatal externo;

                c) ela é a ideia universal enquanto gênero e potência absoluta, contra os Estados individuais, (…) espírito em que se dá sua efetividade no processo da história mundial.

A. O Direito Estatal Interno

§ 260

                O Estado é a efetividade da liberdade concreta; mas a liberdade concreta (…) em que a singularidade da pessoa e seus interesses particulares tenham seu desenvolvimento completo e o reconhecimento de seu direito para si (no sistema da família e da sociedade civil-burguesa), (…) em parte, passem por si mesmos ao interesse do universal, em parte, com seu saber e seu querer, reconheçam-no como seu próprio espírito substancial e são ativos pra ele como seu fim último, (…) de modo que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os indivíduos vivam meramente para esses últimos, enquanto pessoas privadas, sem os querer (…) no e para o universal e sem que tenham uma atividade eficaz consciente desse fim. O princípio dos Estados modernos tem esse vigor e (…) profundidade (…) de deixar o princípio da subjetividade completar-se até o extremo autônomo da particularidade pessoal e, ao mesmo tempo, o reconduz para a unidade substancial e (…) mantém essa nele mesmo.

§ 261

                (…) o Estado é, de uma parte, uma necessidade exterior e seu poder superior, cuja natureza de suas leis, (…) como seus interesses estão subordinados e são dependentes dela; (…), de outra parte, ele é seu fim imanente e possui seu vigor na unidade de seu fim último universal e do interesse particular dos indivíduos (…) que eles têm obrigações para com ele (…) eles têm, ao mesmo tempo, direitos (§ 155).

                               (…) foi (…) Montesquieu, (…) em sua obra célebre: O Espírito das Leis, levou em conta e também tentou expor em detalhes o pensamento segundo o qual as leis, (…) também as do direito privado, dependem do caráter determinado do Estado, (…) como do ponto de vista filosófico (…) examinar apenas a parte em sua vinculação com o todo. — Visto que a obrigação é (…) o universal em si e para si, pois o direito é (…) o ser-aí desse substancial, e está nisso o aspecto de sua particularidade e de minha liberdade particular; ambos (…) aparecem, em graus formais, repartidos entre os diversos aspectos ou pessoas. O Estado, (…) elemento ético, (…) compenetração do substancial e do particular, implica que minha obrigatoriedade frente ao substancial seja, ao mesmo tempo, o ser-aí de minha liberdade particular (…) que (…) a obrigação e o direito estão reunidos em uma e mesma vinculação. (…) em seguida, porque os momentos diferenciados alcançam, ao mesmo tempo, no Estado a sua configuração e a sua realidade próprias, (…) de novo intervém a diferença entre direito e obrigação[;] (…) eles são, pois sendo idênticos em si, (…) idênticos formalmente, ao mesmo tempo diversos segundo seu conteúdo. No direito privado e no da moral falta a necessidade efetiva da vinculação, (…) apenas a igualdade abstrata do conteúdo está ali (…); o que (…) é direito para um, deve também ser (…) para o outro. Essa identidade absoluta da obrigação e do direito apenas tem lugar enquanto igual identidade de conteúdo, na determinação de que esse conteúdo (…) é o (…) totalmente universal, (…) que um princípio da obrigação e do direito é a liberdade pessoal do homem. — (…) na ideia concreta, que se desenvolve dentro de si, os momentos dela se diferenciam, e sua determinidade torna-se (…) conteúdo diverso; na família, o filho não tem direitos de mesmo conteúdo do que as obrigações que ele tem pra com o pai (…). — Esse conceito da união da obrigação e do direito é uma das determinações mas importantes e contém o vigor dos Estados. — O aspecto abstrato da obrigação permanece no negligenciar e no banir o interesse particular, enquanto um momento inessencial e (…) indigno. A consideração concreta, a ideia, mostra que o momento da particularidade é (…) essencial e (…) mostra sua satisfação como (…) necessária; o indivíduo precisa encontrar (…) de algum modo, seu interesse próprio, sua satisfação ou (…) proveito e, por sua relação no Estado, resulta um direito para ele, pelo qual a Coisa universal torna-se sua própria Coisa particular. O interesse particular não deve (…) ser posto de lado ou (…) reprimido, porém posto em concordância com o universal, (…) ele mesmo e o universal são preservados. O indivíduo, segundo suas obrigações, encontra como cidadão, no seu cumprimento, a proteção de sua pessoa e de sua propriedade, (…) o sentimento próprio de ser membro desse todo, e nessa realização das obrigações, (…) prestações e ocupações para o Estado, (…) possui sua preservação e (…) subsistência. Segundo o (…) abstrato, o interesse universal seria apenas que suas ocupações, (…) prestações, que ele exige, sejam realizadas enquanto obrigações.  

§ 262

                A ideia efetiva, o espírito que se cinde a si mesmo nas duas esferas ideais de seu conceito, a família e a sociedade civil-burguesa, enquanto sua finitude, a fim de ser, (…) de sua idealidade, espírito efetivo infinito para si, (…) reparte nessas esferas o material dessa sua efetividade finita, os indivíduos enquanto multidão, (…) essa repartição aparece no [indivíduo] singular, mediada pelas circunstâncias, pelo arbítrio e a escolha (…) de sua determinação (…).

§ 263

                Nessas esferas, em que seus momentos, a singularidade e a particularidade, têm sua realidade imediata e refletida, o espírito é enquanto sua universalidade objetiva aparecendo nelas, (…) o poder do racional na necessidade (…), a saber, enquanto as instituições consideradas anteriormente.

§ 264

                Os indivíduos da multidão, (…) eles mesmos (…) naturezas espirituais e, com isso, contêm dentro de si o duplo momento, (…) o extremo da singularidade, que sabe e que quer para si, e o extremo da universalidade, que sabe e que quer o substancial, (…) por isso apenas alcançam o direito que cabe a esses dois aspectos, na medida em que (…) são efetivos, (…) como pessoas privadas (…), como pessoas substanciais, — (…) alcançam (…) imediatamente o primeiro momento e, em parte, o outro, de modo que eles, (…) tenham sua autoconsciência essencial nas instituições enquanto universal sendo em si dos seus interesses particulares e, em parte, (…) que elas lhes garantam, na corporação, uma ocupação e uma atividade orientadas para um fim universal.

§ 265

                Essas instituições fazem a constituição, (…) a racionalidade desenvolvida e efetivada no particular, e são, por causa disso, a base firme do Estado, assim como da confiança e da disposição de espírito dos indivíduos para com ele (…) são os pilares da liberdade pública (…) nelas a liberdade particular está realizada e é racional, com isso, está presente nelas mesmas em si a união da liberdade e da necessidade.

§ 266

                Mas o espírito não é apenas (…) necessidade e (…) um reino do fenômeno, porém é (…) idealidade dos mesmos e enquanto lhe é interno, é objetivo e efetivo para si: (…) essa universalidade substancial é, para si mesma, objeto e fim, e essa necessidade, através disso, é para si (…) na figura da liberdade.

§ 267

                A necessidade na idealidade é o desenvolvimento da ideia no interior de si mesma; (…) enquanto substancialidade subjetiva é a disposição de espírito política, enquanto substancialidade objetiva é, na diferenciação com a anterior, o organismo do Estado, o Estado político propriamente dito e sua constituição.

§ 268

                A disposição de espírito política (…) o patriotismo, enquanto certeza que está na verdade (uma certeza meramente subjetiva não surge da verdade e é apenas opinião) e enquanto o querer (…) se tornou hábito, é (…) resultado das instituições que subsistem no Estado, (…) é nele que a racionalidade está efetivamente presente, assim como recebe sua confirmação pelo agir conforme as suas instituições. — Essa disposição de espírito é (…) a confiança (…), — a consciência de que meu interesse substancial e particular está conservado e contido no interesse e no fim de um outro (aqui, do Estado), (…) na relação comigo está como singular, — (…) precisamente esse não é imediatamente um outro para mim e eu sou livre nessa consciência.

                               Entende-se (…) por patriotismo apenas a disponibilidade a sacrifícios e a ações extraordinárias. (…) ele é a disposição de espírito, que na situação e nas relações de vida habituais está habituado a saber que a comunidade é a base substancial e o fim. Essa consciência (…) em todas as relações (…) da vida é (…) o que fundamenta (…) a disponibilidade a um esforço fora do habitual. Mas como, com frequência, os homens são preferentemente magnânimos do que justos, (…) se persuadem facilmente de possuir esse patriotismo extraordinário, a fim de se poupar dessa disposição de espírito verdadeiro ou de se desculpar de sua falta. — Quando (…) a disposição de espírito é (…) o que pode constituir para si o começo e provir de representações e de pensamentos subjetivos, (…) ela é confundida com a opinião (…) carece de seu fundamento verdadeiro, a realidade objetiva.

§ 269                

A disposição de espírito toma seu conteúdo determinado particularmente dos diversos aspectos do organismo do Estado. Esse organismo é o desenvolvimento da ideia até suas diferenças e até a efetividade objetiva delas. (…) são assim os diversos poderes, e as ocupações e atividades deles, através dos quais o universal se produz (…) no caso, (…) eles são determinados pela natureza do conceito, de maneira necessária e (…) visto que sua produção é pressuposta, se conserva; — (…) é a constituição política

[Pintura: A Loteria do Estado (1882) por Vincent Van Gogh]