BAUDELAIRE, C. As velhinhas LCI. In:_______ As flores do mal. Tradução e organização de Júlio Castañon Guimarães; apêndices de J. Barbey d’Aurevilly, Guillaume Apollinaire, Paul Valéry. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics – Companhia das Letras, 2019. p. 246-251.
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les petites vieilles
À Victor Hugo
I
Dans les plis sinueux des vieilles capitales,
Où tout, même l’horreur, tourne aux enchantements,
Je guette, obéissant à mes humeurs fatales,
Des êtres singuliers, décrépits et charmants.
Ces monstres disloqués furent jadis des femmes,
Éponine ou Laïs! Monstres brisés, bossus
Ou tordus, aimons-les! ce sont encor des âmes.
Sous des jupons troués et sous de froids tissus
Ils rampent, flagellés par les bises iniques,
Frémissant au fracas roulant des omnibus,
Et serrant sur leur flanc, ainsi que des reliques,
Un petit sac brodé de fleurs ou de rébus;
Ils trottent, tout pareils à des marionnettes;
Se traînent, comme font les animaux blessés,
Ou dansent, sans vouloir danser, pauvres sonnettes
Où se pend un Démon sans pitié! Tout cassés
Qu’ils sont, ils ont des yeux perçants comme une vrille,
Luisants comme ces trous où l’eau dort dans la nuit;
Ils ont les yeux divins de la petite fille
Qui s’étonne et qui rit à tout ce qui reluit.
— Avez-vous observé que maints cercueils de vieilles
Sont presque aussi petits que celui d’un enfant?
La Mort savante met dans ces bières pareilles
Un symbole d’un goût bizarre et captivant,
Et lorsque j’entrevois un fantôme débile
Traversant de Paris le fourmillant tableau,
Il me semble toujours que cet être fragile
S’en va tout doucement vers un nouveau berceau;
À moins que, méditant sur la géométrie,
Je ne cherche, à l’aspect de ces membres discords,
Combien de fois il faut que l’ouvrier varie
La forme de la boîte où l’on met tous ces corps.
— Ces yeux sont des puits faits d’un million de larmes,
Des creusets qu’un métal refroidi pailleta...
Ces yeux mystérieux ont d’invincibles charmes
Pour celui que l’austère Infortune allaita!
II
De Frascati défunt Vestale enamourée;
Prêtresse de Thalie, hélas! dont le souffleur
Enterré sait le nom; célèbre évaporée
Que Tivoli jadis ombragea dans sa fleur,
Toutes m’enivrent! mais parmi ces êtres frêles
Il en est qui, faisant de la douleur un miel,
Ont dit au Dévouement qui leur prêtait ses ailes:
Hippogriffe puissant, mène-moi jusqu’au ciel!
L’une, par sa patrie au malheur exercée,
L’autre, que son époux surchargea de douleurs,
L’autre, par son enfant Madone transpercée,
Toutes auraient pu faire un fleuve avec leurs pleurs!
III
Ah! que j’en ai suivi de ces petites vieilles!
Une, entre autres, à l’heure où le soleil tombant
Ensanglante le ciel de blessures vermeilles,
Pensive, s’asseyait à l’écart sur un banc,
Pour entendre un de ces concerts, riches de cuivre,
Dont les soldats parfois inondent nos jardins,
Et qui, dans ces soirs d’or où l’on se sent revivre,
Versent quelque héroïsme au coeur des citadins.
Celle-là, droite encor, fière et sentant la règle,
Humait avidement ce chant vif et guerrier;
Son oeil parfois s’ouvrait comme l’oeil d’un vieil aigle;
Son front de marbre avait l’air fait pour le laurier!
IV
Telles vous cheminez, stoïques et sans plaintes,
À travers le chaos des vivantes cités,
Mères au coeur saignant, courtisanes ou saintes,
Dont autrefois les noms par tous étaient cités.
Vous qui fûtes la grâce ou qui fûtes la gloire,
Nul ne vous reconnaît! un ivrogne incivil
Vous insulte en passant d’un amour dérisoire;
Sur vos talons gambade un enfant lâche et vil.
Honteuses d’exister, ombres ratatinées,
Peureuses, le dos bas, vous côtoyez les murs;
Et nul ne vous salue, étranges destinées!
Débris d’humanité pour l’éternité mûrs!
Mais moi, moi qui de loin tendrement vous surveille,
L’oeil inquiet, fixé sur vos pas incertains,
Tout comme si j’étais votre père, ô merveille!
Je goûte à votre insu des plaisirs clandestins:
Je vois s’épanouir vos passions novices;
Sombres ou lumineux, je vis vos jours perdus;
Mon coeur multiplié jouit de tous vos vices!
Mon âme resplendit de toutes vos vertus!
Ruines! ma famille! ô cerveaux congénères!
Je vous fais chaque soir un solennel adieu!
Où serez-vous demain, Èves octogénaires,
Sur qui pèse la griffe effroyable de Dieu?
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as velhinhas
A Victor Hugo
I
Nos desvãos com ardis das velhas capitais,
Onde tudo é magia, até mesmo os horrores,
Espio, obedecendo aos humores fatais,
Seres entre decrépitos e encantadores.
Monstros disformes, foram mulheres outrora,
Eponina ou Laís! Os monstros contorcidos,
Corcundas, que os amemos! são almas por ora.
Sob suas saias rotas ou frios tecidos
Arrastam-se, açoitados por vento nefando,
Tremendo ao ruído de ônibus assoladores,
E, tal como relíquia, no flanco apertando
Uma bolsa bordada com enigmas ou flores;
Troteiam, semelhando todos marionetes;
Arrastam-se, tal como animais machucados,
Ou dançam, sem querer dançar, sinos falsetes
Onde se enforca atroz Demônio! Alquebrados,
Têm olhos penetrantes como uma verruma
— Brilham, como na noite, sobre a água, a luz;
Têm olhos de menina, nobres, que costuma
Espantar-se e sorrir por tudo que reluz.
— Muitos caixões de velhas — já vistes? — amiúde
São quase tão pequenos quanto o de um infante.
Sábia, a Morte põe nesse tipo de ataúde
Um símbolo de gosto estranho e cativante,
E se me ocorre um débil fantasma entrever
Cruzando de Paris o quadro efervescente,
A mim parece sempre que esse frágil ser
Prossegue para um novo berço suavemente;
A menos que, cismando sobre a geometria,
Eu conte, ao perceber os membros descompostos,
Quantas vezes se vê que o operário varia
A forma da caixa onde esses corpos são postos.
— Esses olhos são poços preenchidos com prantos,
Cadinhos que um metal resfriado constelou…
Esses olhos abstrusos têm claros encantos
Para aquele a que o grave Infortúnio alentou!
II
Ao defunto Frascati Vestal habituada;
Recitante de Tália (só conhece seu
Nome o ponto enterrado); insigne tresloucada
Que o Tivoli com sua sombra outrora acolheu,
Todas me embriagam! Frágeis, não se lhes negava
A algumas que, fazendo de sua dor um mel,
Dissessem ao Desvelo que as asas lhes dava:
Vigoroso hipogrifo, leva-me até o céu!
Uma, no revés por sua pátria exercitada,
Outra, que seu esposo de dores cobria,
Outra, Madona por seu filho transfixada,
Delas todas o pranto um rio formaria!
III
Quantas e quantas, sim, foram por mim seguidas!
Uma, entre as outras, nessa hora em que o sol poente
Ensanguenta o céu com escarlates feridas,
Pensativa, sentava-se num banco, ausente,
Ouvindo algum concerto cheio de metais,
Com que soldados enchem praças, vespertinos,
E que, sob esse luar que nos faz mais vitais,
Insuflam heroísmo em muitos citadinos.
Aquela, ereta ainda, orgulhosa, hauria
Com avidez esse canto vivo a que era afeita;
O olho, como uma velha águia, às vezes abria;
Para o louro sua testa marmórea foi feita!
IV
Assim seguis, estoicas e sem se queixar,
Pelo caos das cidades ativas afora,
Santa ou da rua, mães — coração a sangrar —
Cujos nomes sempre eram citados outrora.
Vós que fostes a graça ou que fostes a glória,
Ninguém vos reconhece! Um bêbado grosseiro
Passa e vos diz alguma expressão vexatória;
Aos saltos, vil, vos segue um menino matreiro.
Existir envergonha-vos, sombras crispadas;
Com medo, costas curvas, ladeais os muros;
Ninguém vos cumprimenta, sinas malfadadas!
Restos de humano já para o eterno maduros!
Mas eu, eu que de longe terno vos espreito,
O olho inquieto, fixado em vossos serpentinos
Passos, como se fosse vosso pai afeito,
Provo, sem que o saibais, prazeres clandestinos:
Vejo a brotar em vós amores adventícios;
Vi, em sombra ou luz, vossos dias devolutos;
A meu coração vário, aprazem vossos vícios!
A minha alma, iluminam vossos atributos!
Ruínas! minha família! essas mentes várias
E acordes! Dou-lhes à noite solene adeus!
Onde estareis depois, Evas octogenárias,
Sobre as quais pesa a garra terrível de Deus?
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