Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Filosofia Política, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Segunda Parte – Segunda Seção]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 136-142.

SEGUNDA SEÇÃO

A Intenção e o Bem-Estar

§ 119

                O ser-aí exterior da ação é um contexto múltiplo que pode ser (…) infinitamente dividido em singularidades, e a ação pode ser (…) como se ela apenas tivesse afetado inicialmente uma tal singularidade. Mas a verdade do singular é o universal, e a determinidade da ação é para si (…) até ser uma singularidade exterior (…) um conteúdo universal, contendo dentro de si o contexto múltiplo. O propósito, (…) procede de um ser pensante, não contém somente a singularidade, porém contém (…) esse aspecto universal, — a intenção.

                               Intenção contém etimologicamente a abstração, de um lado, a forma da universalidade, de outro (…), o extrair de um aspecto particular da Coisa concreta. O esforço da justificação pela intenção é o isolar de um aspecto singular em geral, (…) se afirma ser a essência subjetiva da ação. — O juízo sobre uma ação, (…) ato exterior, sem que ainda seja determinado seu aspecto lícito ou ilícito, confere-lhe um predicado universal (…). — A determinidade isolada da efetividade exterior mostra o que é sua natureza enquanto contexto exterior. A efetividade (…) apenas é afetada em um ponto singular (…), mas a natureza universal desse ponto contém sua extensão. No vivente, o singular é de maneira imediata não enquanto parte, porém (…) órgão, no qual o universal (…) existe de maneira presente (…). De uma parte, é a reflexão subjetiva que não conhece a natureza lógica do singular e do universal, (…) entra na dispersão dos detalhes singulares e das consequências; de outra (…), é a natureza do próprio ato finito conter tais separações dos contingentes. — A invenção do dolus indirectus tem seu fundamento nessas considerações.

§ 120

                O direito da intenção é que a qualidade universal da ação não seja apenas em si, (…) seja sabida pelo agente e que (…) já tenha sido colocada na vontade subjetiva; (…) inversamente, o direito da objetividade da ação (…) é que ela se afirme como sabida e querida pelo sujeito enquanto ser pensante.

                               Esse direito ao discernimento traz consigo a inimputabilidade total ou menor das crianças, dos imbecis, dos loucos etc. em suas ações. — (…) como as ações, segundo seu ser-aí exterior, incluem contingências em suas consequências, (…) o ser-aí subjetivo contém também a indeterminidade, (…) se refere ao poder e à força da autoconsciência e da ponderação sobre si, — (…) essa indeterminidade apenas pode ser considerada no que respeita a imbecilidade (…) e coisas semelhantes, como a idade das crianças, (…) apenas tais situações definidas suprassumem o caráter do pensamento e da liberdade da vontade e permitem não tratar o agente conforme a honra de (…) um ser pensante e uma vontade.

§ 121

                A qualidade universal da ação é o conteúdo múltiplo da ação, (…) reconduzido à forma simples da universalidade. (…) o sujeito, refletido dentro de si, (…) é um particular frente à particularidade objetiva, tem no seu fim seu próprio conteúdo particular, que é a alma determinante da ação. (…) esse momento da particularidade do agente esteja contido e realizado na ação constitui a liberdade subjetiva em sua determinação mais concreta, o direito do sujeito de encontrar na ação sua satisfação.

§ 122

                Por esse aspecto particular, a ação tem valor subjetivo, interesse para mim. (…) a intenção segundo o conteúdo, o imediato da ação em seus demais conteúdos é rebaixado a meio. Na medida em que esse fim é (…) finito, ele pode de novo ser rebaixado a meio por uma intenção posterior etc., e assim sucessivamente até o infinito.

§ 123

                Para o conteúdo desses fins está aqui apenas α) (…) a própria atividade formal, — o fato de que o sujeito [esteja presente] com sua atividade junto ao que deve considerar e promover como (…) seu fim; — pelo qual os homens querem ser ativos em função do que lhes interessa (…). β) (…) a liberdade da subjetividade, ainda abstrata e formal, (…) tem conteúdo ulteriormente determinado em seu ser-aí subjetivo natural, carecimentos, inclinações, paixões, opiniões, (…). A satisfação desse conteúdo é o bem-estar ou a felicidade em suas determinações particulares e, na maneira universal, os fins da finitude (…).

                               (…) do ponto de vista da relação (…), (…) o sujeito está determinado por sua diferenciação e com isso vale enquanto particular, aqui (…) entra o conteúdo da vontade natural (…); mas a vontade aqui não é (…) imediatamente, porém esse conteúdo (…) pertencendo à vontade refletida dentro de si, é elevado ao fim universal, de bem-estar ou de felicidade (…), — é o ponto de vista do pensamento, não ainda do (…) que apreende a vontade em sua liberdade, porém do pensamento que reflete sobre seu conteúdo como (…) natural e dado (…).

§ 124

                Dado que a satisfação subjetiva do próprio indivíduo (…) está (…) contida na realização dos fins que têm validade em si e para si, a exigência de que apenas tal fim apareça como querido e alcançado (…) são (…) uma afirmação vazia do entendimento abstrato. (…) —O que o sujeito é, é a série de suas ações. Se elas são uma série (…) sem valor, então a subjetividade do querer igualmente é sem valor (…) se (…) a série de seus atos é de natureza substancial, então também é a vontade interna do indivíduo.

                               O direito da particularidade do sujeito encontra-se satisfeito ou (…) o direito da liberdade subjetiva constitui o ponto de inflexão e o (…) central da diferença entre a Antiguidade e a época moderna. Em sua infinitude, esse direito foi enunciado no cristianismo e tornou-se princípio efetivo universal de uma nova forma de mundo. Fazem parte (…) o amor, (…) o fim da eterna beatitude do indivíduo etc. — em seguida, a moralidade, a consciência moral, depois, as outras formas que, por uma parte, vão ser postas em evidência (…) enquanto princípio da sociedade civil-burguesa e enquanto momentos da constituição política, mas que, por outra parte, (…) entram na história (…). — Esse princípio da particularidade é (…) um momento da oposição e é, inicialmente, ao menos tão idêntico ao universal quanto diferente dele. (…) a reflexão abstrata fixa esse momento na diferença e na sua contraposição com o universal e produz assim uma maneira de ver a moralidade (…) enquanto combate hostil contra a satisfação própria, — a exigência de

                               fazer com aversão o que ordena a obrigação.

                               Esse entendimento produz (…) a maneira de ver psicológica da história, que entende rebaixar e depreciar todos os grandes feitos e os grandes indivíduos, convertendo em intenção principal e em móvel atuante das ações os impulsos e as paixões, que tiraram (…) sua satisfação da eficácia substancial (…) o aspecto particular, que decretava precedentemente que era algo de mau para si; — porque as grandes ações e a eficácia que consistiu em uma série de tais ações produziram algo de grande no mundo e tiveram, para o indivíduo agente, a força, a honra e a glória como consequência, (…) o entendimento garante que não é essa grandeza que pertenceria ao indivíduo, porém somente o aspecto particular é uma consequência e teria também sido por causa disso enquanto fim e no caso mesmo (…) único fim. — Tal reflexão atém-se aos aspecto subjetivo dos grandes indivíduos, enquanto neles ela mesma se mantém e despreza nessa vaidade autofabricada o substancial deles; (…).

§ 125

                O elemento subjetivo com o conteúdo particular do bem-estar mantém-se enquanto refletido dentro de si (…) infinitamente em vinculação com o universal, com a vontade sendo em si. Esse momento (…) é o bem-estar também do outro, — em uma determinação completa, mas totalmente vazia, é o bem-estar de todos. O bem-estar de muitos outros particulares (…) é então também fim essencial e direito da subjetividade. (…) como o universal sendo em si e para si, diferente de tal conteúdo particular, não é ainda aqui determinado enquanto o direito, (…) aqueles fins do particular podem ser diversos desse último (…).

§ 126

                Mas (…) minha particularidade, assim como a do outro, apenas é um direito na medida em que eu sou um ser livre. (…);e uma intenção visando meu bem-estar, assim como o (…) do outro, — no caso em que é chamada particularmente uma intenção moral, — não pode justificar uma ação ilícita.

                               Uma das máximas perniciosas (…) que procede em parte do período pré-kantiano do bom coração (…) é o interessar-se, no caso de ações contrárias ao direito, pela (…) intenção moral e representar os maus sujeitos com um coração que deve ser bom, isto é, que quer seu bem-estar próprio e de alguma maneira também o (…) do outro; (…) essa doutrina foi requentada sob uma figura mais exagerada, o entusiasmo interior e o ânimo, (…) a forma da particularidade como tal, foram erigidos em critério do que é direito, racional e excelente, de modo que os crimes e os pensamentos que levam a eles, (…), seriam conformes ao direito, racionais e excelentes por essa razão vem do ânimo e do entusiasmo (…). — (…) convém considerar o ponto de vista em que são aqui examinados o direito e o bem estar (…) enquanto direito formal e o bem-estar particular do indivíduo singular; o chamado bem universal, o bem-estar do Estado, o direito do espírito concreto efetivo, é uma esfera totalmente outra, assim como o bem-estar particular e a felicidade do indivíduo singular. (…).

§ 127

                A particularidade dos interesses da vontade natural, reunida em sua totalidade simples, é o ser-aí pessoal enquanto vida. Essa, no perigo último e em conflito com a propriedade jurídica do outro, tem a invocar (não enquanto concessão, porém (…) direito) um direito de miséria [direito de emergência – jus necessitatis], visto que, de um lado, se encontra (…) violação infinita de um ser-aí, e nisso (…) privação total do direito, e, do outro (…), (…) a violação de um ser-aí delimitado, singular, da liberdade que reconhece o direito como tal e (…) sua capacidade jurídica do que apenas é lesado nessa propriedade.

                               Do direito da miséria deriva o benefício da imunidade, (…) se deixam ao devedor as ferramentas de trabalho, os instrumentos de lavoura, as vestimentas (…) como contribuindo para a possibilidade de sua manutenção — conforme seu estamento [social].

§ 128

                A miséria revela a finitude, e nela a contingência tanto do direito como o bem-estar, — [quer dizer,] a do ser-aí abstrato da liberdade, que não é a existência de uma pessoa particular, e da esfera da vontade particular, desprovida da universalidade do direito. Sua unilateralidade e sua idealidade são, com isso, postas, tal como já são determinadas nelas mesmas no conceito; o direito já determinou (§ 106) seu ser-aí como a vontade particular, e a subjetividade em sua particularidade englobante é ela mesma o ser-aí da liberdade (§ 127), assim, como é em si, enquanto vinculação infinita da vontade a si, o universal da liberdade. Os dois momentos (…) integrados até a sua verdade e a sua identidade (…) inicialmente numa vinculação (…) relativa de um ao outro, são o Bem enquanto universal preenchido, determinado em si e para si, e a consciência moral, enquanto subjetividade infinita, (…) dentro de si e que determina o conteúdo dentro de si.

[Painting: Good Intentions by Charlotte Foust]

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Filosofia do Direito [Segunda Parte – Primeira Seção]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 133-136.

PRIMEIRA SEÇÃO

O Propósito e a Culpa

§ 115

                Na imediatidade do agir, a finitude da vontade subjetiva consiste (…) em ter para seu agir um objeto exterior, pressuposto (…). O ato põe uma transformação nesse ser-aí existente, e a vontade tem, de modo geral, uma culpa, (…) o predicado abstrato de ser meu reside no ser-aí transformado.

                               Um dado, uma situação que ocorre é uma efetividade exterior concreta, (…) por causa disso é em si um número indeterminável de circunstâncias. Cada momento singular que se mostra enquanto condição, fundamento, causa de uma (…) circunstância e que (…) contribuiu por sua parte, talvez visto como sendo culpado ou (…) como tendo ali uma culpa. Por isso o entendimento formal, no caso de um dado rico (por exemplo, a Revolução Francesa), escolhe dentro de uma inumerável multidão de circunstâncias, aquela da qual afirma que seja culpada.

§ 116

                Não é certamente por meu ato próprio que coisas de que sou proprietário e que enquanto exteriores se mantêm em múltipla conexão produzem efeitos (…) e causam (…) um dano ao outro. Mas isso se coloca mais ou menos a meu cargo, porque aquelas coisas são (…) minhas, contudo, segundo a natureza que tem como própria, apenas mais ou menos submetidas a meu senhorio, à minha vigilância etc.

§ 117

                A vontade agindo ela mesma tem em seu fim, dirigido para o ser-aí existente, a representação das circunstâncias desse fim.(…) porque, por essa pressuposição da vontade, ela é finita, o fenômeno objetivo é para ela contingente (…) pode conter dentro de si algo de outro do que está em sua representação. (…) é o direito da vontade não se reconhecer em seu ato como sendo ação, a não ser o que ela sabe, no seu fim, dos pressupostos do ato e de não ter culpa (…), somente o que nesse ato residia em seu propósito. — O ato apenas pode ser imputado enquanto culpa da vontade; — [é] o direito do saber.

§ 118

                A ação (…) enquanto posta em um ser-aí exterior (…) tem múltiplas consequências. (…) são a figura, que tem por alma o fim da ação, são o que é seu (o que pertence à ação), — mas (…) enquanto fim posto na exterioridade, a ação é entregue a forças exteriores, que ligam a isso algo totalmente diverso o que é para si e a prolongam em consequências distantes (…). É (…) o direito da vontade apenas imputar-se o primeiro aspecto, porque ela apenas reside em seu propósito.

                               O que são as consequências contingentes e as necessárias, isso contém indeterminidade pelo fato de que, no finito, a necessidade interna penetra no ser-aí, enquanto necessidade externa, (…) relação recíproca de coisas singulares, que, enquanto autônomos, são indiferentes umas (…) às outras e encontram-se de maneira exterior. O princípio: desprezar nas ações as consequências, e o outro (…): julgar as ações a partir de suas consequências e fazer delas o padrão (…) — ambos são igualmente do entendimento abstrato. As consequências, enquanto são (…) configuração imanente própria à ação, manifestam (…) sua própria natureza e não são outra coisa senão ela mesma; por isso a ação não pode negá-las nem desprezá-las. (…) — O desenvolvimento da contradição que contém a necessidade do finito é precisamente no ser-aí a reversão da necessidade em contingência e vice-versa. (…) agir quer dizer (…) entregar-se a essa lei. (…). — A autoconsciência heroica (como nas tragédias dos Antigos, Édipo etc.) não se elevou ainda, a partir de sua simplicidade, à reflexão da diferença entre ato e ação, entre (…) dado exterior e o propósito e o saber das circunstâncias, (…) não se elevou até a dispersão das consequências, porém assume a culpa em toda a extensão do ato.

[Imagem: Autorretrato, Isaac Hernández, 2011]

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Filosofia do Direito [Segunda Parte]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 127-133.

SEGUNDA PARTE

A MORALIDADE

§ 105

                O ponto de vista moral é o (…) da vontade, na medida em que ela não é meramente em si, mas para si infinita (…). Essa reflexão da vontade dentro de si e sua identidade sendo para si em face do ser em si e da imediatidade, e das determinidades que aí se desenvolvem, determinam a pessoa a ser sujeito.

§ 106

                (…) a subjetividade constitui, daqui em diante, a determinidade do conceito e como é diferente dele como tal, da vontade em si, e, no caso, (…) que a vontade do sujeito é (…) singular sendo para si (tem nela ainda também a imediatidade), a subjetividade constitui o ser-aí do conceito. — Com isso se determinou para a liberdade um terreno mais elevado; na ideia, o aspecto da existência ou seu momento real é agora a subjetividade da vontade. Apenas na vontade, enquanto subjetiva, a liberdade ou a vontade sendo em si pode ser efetiva.

                               A segunda esfera, a moralidade, apresenta (…) o aspecto real do conceito de liberdade, e o processo (…) consiste em suprassumir, segunda essa diferença em que mergulha a vontade, que inicialmente apenas sendo para si e que imediatamente apenas em si é idêntica com a vontade sendo em si ou universal, e a pô-la para si como idêntica com a vontade sendo em si. Esse movimento (…) é a elaboração do (…) terreno da liberdade, a subjetividade, (…) inicialmente abstrata, isto é, diferente do conceito, torna-se igual a ele, e, com isso, a ideia recebe sua verdadeira realização, que a vontade subjetiva se determina a ser igualmente objetiva (…) verdadeiramente concreta.

§ 107

                A autodeterminação da vontade é (…) um momento de seu conceito e a subjetividade não é apenas o aspecto de seu ser-aí, porém sua determinação própria (§ 104). A vontade livre para si, determinada como subjetiva, inicialmente enquanto conceito, ela mesma tem ser-aí, a fim de ser enquanto ideia. (…) o ponto de vista moral é (…) o direito da vontade subjetiva. Segundo esse direito, a vontade apenas reconhece e é algo na medida em que ele é seu, em que ela é para si (…) algo subjetivo.

                               O mesmo processo do ponto de vista moral (…) tem (…) a figura de ser o desenvolvimento do direito da vontade subjetiva — ou do modo de seu ser-aí, — de tal sorte que ela determina  progressivamente o que ela reconhece enquanto o seu em seu objeto, até ser seu verdadeiro conceito, o objetivo no sentido de sua universalidade.

§ 108

                A vontade subjetiva, enquanto imediatamente para si e diferente da vontade sendo em si (…), é por isso abstrata, delimitada e formal. (…) a subjetividade não é apenas formal, (…) constitui, enquanto autodeterminar infinito da vontade, (…) aspecto formal da vontade. (…) nessa sua primeira emergência na vontade singular, esse aspecto ainda não é posto como idêntico ao conceito, o ponto de vista moral é o ponto de vista da consciência (§ 8), — (…) o ponto de vista da diferença, da finitude e do fenômeno da vontade.

                               O aspecto moral não se determina inicialmente como (…) oposto ao (…) imoral, (…) como o direito não é imediatamente oposto ao ilícito, porém é o ponto de vista universal do aspecto moral, tanto quanto do (…) imoral que repousa na subjetividade da vontade.

§ 109

                Esse aspecto formal, segundo sua determinação universal, contém, em primeiro lugar, a contraposição da subjetividade e da objetividade e a atividade que se refere a essa oposição (§ 8), — cujos momentos (…) são os seguintes: ser-aí e determinidade são idênticos no conceito (…) e a vontade, enquanto subjetiva, ela mesma é esse conceito, — ambos (…) se diferenciam para si e põem-se como idênticos. Na vontade que se determina dentro de si mesma, a determinidade é a) (…) enquanto posta na vontade pela vontade mesma, — [ela é] a sua particularização nela mesma, (…) conteúdo que ela se dá. Tal é a primeira negação e seu limite formal[;] ser apenas algo posto, subjetivo. Enquanto reflexão infinita dentro de si, esse limite é para a vontade mesma, e ela é b) o querer de suprassumir essa delimitação, — a atividade de transpor esse conteúdo da subjetividade para a objetividade (…) em um ser-aí imediato. c) A identidade simples da vontade consigo nessa contraposição é o conteúdo que em ambas permanece igual, indiferente a essa diferença e forma[:] o fim.

§ 110

                (…) do ponto de vista moral, em que a liberdade (…) essa identidade do conteúdo recebe como própria a determinação mais precisa [a, saber:]

                a) O conteúdo é determinado para mim como o meu, de modo que, em sua identidade, não é apenas como meu fim interno que contém para mim subjetividade, (…) também na medida (…) que recebeu a objetividade exterior.

§ 111

                b) O conteúdo, se bem que contenha um elemento particular (…), tem enquanto conteúdo da vontade refletida dentro de si, em sua determinidade, (…) da vontade idêntica consigo e universal, α) a determinação dentro de si mesma de ser adequada à vontade sendo em si ou de ter a objetividade do conceito, mas β) dado que a vontade subjetiva, (…) sendo para si, (…) é ainda formal (§ 108), isso é apenas exigência, e o conteúdo contém (…) a possibilidade de não ser adequado ao conceito.

§ 112

                c) Dado que eu conservo minha subjetividade na realização de meus fins (§ 110), eu suprassumo ali, (…) na objetivação da mesma, ao mesmo tempo, essa subjetividade imediata e (…) minha subjetividade singular. (…) a subjetividade exterior, assim idêntica comigo, é a vontade do outro (§ 73). — O terreno da existência da vontade é (…)a subjetividade (…) e a vontade do outro é (…) minha outra existência, que eu dou a meu fim. — Por isso a realização de meu fim tem, dentro de si, essa identidade de minha vontade e da (…) do outro, — ela tem vinculação positiva com a vontade do outro.

                               A objetividade realizada do fim inclui, por isso, dentro de si três significações ou (…) três momentos: ser α) ser ser-aí imediato exterior (§ 109), β) adequado ao conceito (§ 112) e γ) subjetividade universal. A subjetividade que se conserva nessa objetividade é (…) que o fim objetivo seja o meu, (…) que nele me conserve enquanto esse sujeito (…); os momentos β) e γ) da subjetividade já coincidiram com os momentos β) e γ) da objetividade, — (…) essas determinações, diferenciando-se do ponto de vista moral, apenas estejam reunidas na contradição constitui (…) o aspecto aparente ou a finitude dessa esfera (…).

§ 113

                A externação da vontade enquanto subjetiva ou moral é a ação. A ação contém as determinações (…), α) em sua exterioridade, sabida por mim como minha, β) (…) em vinculação essencial com o conceito, enquanto dever-ser, e γ) com a vontade do outro.

                               Somente a externação da vontade moral é ação. O ser-aí que a vontade se dá no direito formal, está em uma Coisa imediata, (…) não tem para si vinculação expressa com o conceito (…) não está em face da vontade subjetiva, não é diferente dela tampouco tem um vinculação positiva com a vontade do outro; a prescrição jurídica (…) é apenas proibição (…). O contrato e o ilícito começam (…) a ter uma vinculação com a vontade do outro, — mas a concordância que tem lugar neles se funda no arbítrio; e a vinculação essencial  (…) que aí se encontra com a vontade do outro é, enquanto jurídica, o elemento negativo (…). Ao contrário, (…) o crime enquanto provém da vontade subjetiva e, segundo o modo de existência que nela tem, somente aqui entra em consideração. — A ação jurídica (actio) (…) que é determinada por prescrições, apenas contém alguns momentos da ação propriamente moral e (…) de modo exterior, por isso ser uma ação propriamente moral é uma aspecto diferente da ação jurídica (…).

§ 114

                O direito da vontade moral contém três aspectos:

                a) O direito abstrato ou formal da ação que, como (…) foi realizada no seu ser-aí imediato, seu conteúdo seja (…) o meu, de que ela seja assim, o propósito da vontade subjetiva.

                b) O aspecto particular da ação é seu conteúdo interno, α) como se determina para mim seu caráter universal, (…) constitui o valor da ação (…) e aquilo que tem para mim validade, — constitui a intenção, β) seu conteúdo, enquanto é meu fim particular, meu ser-aí subjetivo particular, — é o bem-estar.

                c) Esse conteúdo, enquanto interno, (…) elevado até sua universalidade, (…) é a objetividade em si e para si, é o fim absoluto da vontade, o Bem, (…) na esfera da reflexão (…) em oposição com a universalidade subjetiva, em parte, a do Mal, em parte a da consciência moral.

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Terceira Seção]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 115-127.

TERCEIRA SEÇÃO

O Ilícito

§ 82

                No contrato, o direito em si é, enquanto algo posto, sua universalidade interna, enquanto algo comum do arbítrio e da vontade particular. Esse fenômeno do direito, em que ele e seu ser-aí essencial, a vontade particular, concordam imediatamente, (…) progride no ilícito até a aparência, — até a contraposição do direito em si e da vontade particular, enquanto nela se torna um direito particular. (…) a verdade dessa aparência é ser nula (…) o direito se restabelece através do negar essa sua negação (…).

§ 83

                O direito, enquanto (…) particular (…) múltiplo face à sua universalidade e simplicidade sendo em si, recebe a forma de uma aparência, a qual é, em parte, em si e imediatamente, em parte, é posta pelo sujeito como aparência, em parte é posta pura e simplesmente como nula, ilícito civil ou não-intencional, fraude e crime.

A. Ilícito Não-Intencional

§ 84

                A tomada de posse (§ 54) e o contrato para si e segundo suas espécies particulares, antes de tudo, externações e consequências diversas de minha vontade (…), porque a vontade é o universal dentro de si, a respeito do reconhecimento de outros, são títulos jurídicos. Na multiplicidade e exterioridade recíprocas (…) podem, a respeito de uma só e a mesma Coisa, pertencer a pessoas diversas, cada uma delas, por seu título jurídico particular, considera a Coisa como sua propriedade (…) surgem os conflitos de direito.

§ 85

                Esse conflito, em que a Coisa é disputada (…) que constitui a esfera do litígio jurídico civil, contém o reconhecimento do direito como o que é universal e decisivo (…) a Coisa deve pertencer àquele que tem direito. O litígio concerne somente à subsunção da Coisa sob a propriedade de um ou de outro; — um juízo simplesmente negativo, em que apenas o particular vem a ser negado no predicado de meu.

§ 86

                Nas partes, o reconhecimento do direito está ligado ao interesse particular oposto e a sua maneira de ver (…) oposta. Contra essa aparência emerge (…) nela mesma (…) o direito em si, (…) representado e exigido. Mas, inicialmente, é apenas enquanto um dever-ser, porque a vontade não está (…) ali presente como uma (…) que se teria libertado da imediatidade do interesse, que teria, enquanto particular, a vontade universal por fim; ela é ainda determinada (…) como uma efetividade reconhecida, assim que, frente a ela, as partes teriam de renunciar à sua maneira de ver e a seus interesses particulares.

B. Fraude

§ 87

                O direito em si, em sua diferença com o direito enquanto particular e sendo-aí, é enquanto um direito reivindicativo, no caso determinado como o essencial (…) é, ao mesmo tempo, apenas (…) reivindicativo[;] (…) meramente subjetivo (…) inessencial e meramente aparente. Assim, o universal rebaixado pela vontade particular ao nível de algo apenas aparente, — (…) no contrato, ao da comunidade apenas exterior da vontade, é a fraude.

§ 88

                No contrato, eu adquiro uma propriedade por causa da qualidade particular da Coisa e (…) segundo sua universalidade interna, em parte, conforme seu valor e, em parte, enquanto (…) é a propriedade de outro. Pelo arbítrio de outro uma falsa aparência pode ser-me apresentada, de (…) modo que há exatidão no (…) contrato, enquanto consentimento livre bilateral sobre a troca dessa Coisa, segundo sua singularidade imediata, (…) falta aí o aspecto do universal sendo em si. (O juízo infinito segundo sua expressão positiva ou sua significação idêntica) (…).

§ 89

                Que contra essa aceitação da Coisa meramente enquanto essa e contra a vontade do mero opinar, (…) como a vontade arbitrária, o [elemento] objetivo ou o universal seja, em parte, conhecido enquanto valor, em parte, válido enquanto direito e, em parte, suprassumido o arbítrio subjetivo contra o direito, — é (…) apenas uma exigência.

C. Coação e Crime

§ 90

                Que na propriedade minha vontade se coloque em uma Coisa exterior, nisso reside que, igualmente enquanto está refletida nessa Coisa, (…) é apreendida nela e é posta sob a necessidade. A vontade pode (…) de uma parte, sofrer violência em geral, de outra parte, pela violência fazer um sacrifício ou uma ação, enquanto condição de uma posse (…), — a vontade pode sofrer coação.

§ 91

                (…) o homem pode certamente ser subjugado (…) seu aspecto físico e qualquer aspecto exterior estão colocados sob a violência de outro, mas a vontade livre não pode em si e para si ser coagida (…), a não ser (…) em que não se retira ela mesma da exterioridade, em que está retida, ou da representação dela (…). Apenas pode ser coagido a algo quem quer se deixar coagir.

§ 92

                Porque a vontade é ideia ou efetivamente livre, apenas (…) em que tem ser-aí, e o ser-aí, em que se colocou, é o ser-aí da liberdade, (…) a violência ou a coação em seu conceito destrói-se imediatamente a si mesma, enquanto externação de uma vontade a qual suprassume a externação ou o ser-aí de uma vontade. Por isso a violência ou a coação, (…) abstratamente, é o ilícito.

§ 93

                A coação tem a exposição real de que ela se destrói no seu conceito, de que a coação é suprassumida pela coação; (…) não é apenas juridicamente (…) condicionada, porém de maneira necessária — a saber, enquanto segunda coação, que é um suprassumir de uma primeira coação.

                               A violação de um contrato pela não-execução do que foi estipulado ou das obrigações jurídicas (…) por um ato ou uma omissão é uma primeira coação, ou pelo menos uma violência, (…) em que privo ou subtraio uma propriedade que é de outro ou uma prestação que lhe é devida. — Coação pedagógica ou (…) exercida contra a selvageria e a brutalidade aparece (…) como coação primeira, que não se segue de uma primeira que a precede. (…) a vontade somente natural é em si uma violência contra a ideia sendo em si da liberdade, que deve ser protegida contra tal vontade inculta e levada nela à validade. Ou é um ser-aí ético já posto na família ou no Estado, contra o qual (…) é um ato de violência, ou é apenas um estado de natureza, — estado de violência em geral existente, contra (…) a ideia funda um direito dos heróis.

§ 94

                O direito abstrato é um direito de coação, porque o ilícito [perpetrado] contra ele é uma violência contra o ser-aí de minha liberdade em uma Coisa exterior; a preservação desse ser aí contra a violência é (…) ação exterior e uma violência que suprassume aquela primeira violência.

                               Definir logo (…) o direito abstrato ou estrito como um direito no qual se pode coagir, — (…) apreendê-lo a partir de uma consequência que somente intervém no desvio do ilícito.

§ 95

                A primeira coação, exercida enquanto violência pelo ser livre, que lesa o ser-aí da liberdade em seu sentido concreto, o direito enquanto direito, é o crime, — um juízo negativamente infinito em seu sentido completo (…) são negados não apenas o particular, a subsunção de uma Coisa sob minha vontade (§ 85), porém (…) o universal, o infinito no predicado do meu, a capacidade jurídica e, (…), sem a mediação de minha opinião (como na fraude) (§ 88), igualmente contra essa opinião, — a esfera do direito penal.

                               O direito, cuja violação é o crime (…) na verdade tem apenas as configurações que vimos[;] com isso o crime tem apenas (…) a significação (…) que se refere a essas determinações. (…) o que é substancial (…) é o universal, que permanece o mesmo no seu desenvolvimento e na sua configuração posteriores, (…) sucede o mesmo com sua violação, o crime, segundo seu conceito. (…) a determinação a ser considerada (…) concerne também ao conteúdo particular ulteriormente determinado, (…) perjúrio, o crime de estado, a falsificação de moeda (…) etc.

§ 96

                Dado que somente pode ser lesada a vontade sendo-aí, mas essa no ser-aí entrou na esfera de uma extensão quantitativa, (…) como das determinações qualitativas, por isso é diversa, (…) constitui (…) uma diferença para o aspecto objetivo do crime, se esse ser-aí e sua determinidade (…) são lesados em toda a sua extensão (…) na infinitude igual a seu conceito ([…] homicídio, na escravidão, […] etc.), ou apenas segundo uma parte (…) como qualquer determinação qualitativa.

                               A maneira de ver estoica de que há apenas uma virtude e um vício, a legislação draconiana, que pune todo crime com a morte, assim como a brutalidade da honra formal que põe a personalidade infinita em cada violação, têm em comum o fato de se ater ao pensamento abstrato da vontade livre e da personalidade e (…) não tomar a tomar enquanto seu concreto e determinado, que devem ter enquanto ideia. (…) — Certas determinações qualitativas, como a periculosidade para a segurança pública, têm seu fundamento nas relações mais determinadas, mas (…) são também apreendidas somente no desvio das consequências ao invés de ser a partir do conceito da Coisa; — é como (…) uma infração mais grave segundo a extensão ou qualidade. — A qualidade moral subjetiva refere-se à diferença mais elevada[;] (…).

§ 97

                A violação do direito enquanto direito (…) é, certamente, uma existência exterior positiva, mas que é nula dentro de si. A manifestação dessa (…) nulidade é a aniquilação dessa violação, que entra (…) na existência, — a efetividade do direito, enquanto sua necessidade mediando-se consigo pela suprassunção da sua violação.

§ 98

                A violação (…) no ser-aí exterior ou na posse é um mal, um dano que afeta um modo qualquer da propriedade ou do patrimônio; a suprassunção da violação, enquanto dano, é a reparação civil (…) indenização (…).

                               (…) na medida em que o dano é uma destruição e em geral irreparável, é preciso que intervenha, em lugar do caráter qualitativo específico do dano, o caráter universal (…) enquanto valor.

§ 99

                (…) a violação que sobreveio à vontade sendo em si (…) não tem nenhuma existência positiva nessa vontade sendo em si (…) nem tampouco no mero produto [da violação]. Para si, essa vontade sendo em si (o direito, a lei em si) é (…) o que não existe de maneira exterior e que, nessa medida, é inviolável. (…) para a vontade particular da vítima da violação e para os demais, a violação é somente algo negativo. A existência positiva da violação é apenas (…) vontade particular do criminoso. A violação dessa, enquanto uma vontade sendo aí, é (…) a suprassunção do crime, senão seria o que temvalidade, (…) o restabelecimento do direito.

                               A teoria da pena (…) na ciência jurídica positiva da época recente, tomou a pior direção, porque (…) o entendimento não basta, (…) depende essencialmente do conceito. — Quando o crime e sua suprassunção, que se determina ulteriormente como pena, são somente consideradas (…) um mal (…), pode-se (…) ver como é irracional querer um mal meramente porque um outro mal já está ali presente ([Ernest Ferdinand] Klein, Princípios do Direito Penal, [Halle, 1795], § 9 s.) (…) Mas não se trata meramente de um mal, nem desse ou daquele Bem, (…) se trata de maneira determinada do ilícito e da justiça. Esses pontos de vista superficiais deixam de lado a consideração objetiva da justiça (…) no caso do crime, que o ponto de vista moral, o aspecto subjetivo do crime, torna-se o essencial (…). As diversas considerações relativas à pena enquanto fenômeno e à sua relação com a consciência particular, e os que concernem às consequências (…) sobre a representação (…) são bem essenciais (…) da mera consideração da modalidade da pena, mas pressupõe a fundamentação que o punir é em si e para si justo. (…) importa somente que o crime tem de ser suprassumido[;] (…) como violação do direito enquanto direito e (…) qual é a existência que tem o crime e que tem de ser suprassumida; ela é o verdadeiro mal, (…) tem de ser removido, e o ponto essencial é aquilo em que ela reside (…).

§ 100

                A lesão que sofre o criminoso não é apenas justa em si, — (…) ela é, ao mesmo tempo, sua vontade sendo em si, um ser-aí de sua liberdade, de seu direito; (…) ela também é um direito do criminoso mesmo (…) posto em sua vontade sendo aí, em sua ação. (…) em sua ação, enquanto é a de um ser racional, (…) é algo de universal, que por ela é estabelecida uma lei que ele reconheceu para si nela, (…) sob a qual ele pode ser subsumido como sob seu direito.

                               Beccaria (…) negou ao Estado o direito de infligir a pena de morte, pela razão de que não se podia presumir que esteja contido no contrato social o consentimento dos indivíduos de se deixar matar (…). Contudo, o Estado não é de modo algum um contrato (§ 75), nem a sua essência substancial é incondicionalmente a proteção e a garantia da vida e da propriedade dos indivíduos enquanto singulares, antes ele é o superior (…). — (…) não é apenas o conceito de crime, o racional em si e para si, com ou sem consentimento dos indivíduos singulares, que o Estado tem de fazer valer, porém (…) a racionalidade formal, o querer do indivíduo singular, reside na ação do criminoso. Que a pena seja aí considerada como contendo seu próprio direito, nisso o criminoso é honrado como um ser racional. — Essa honra não lhe compete quando o conceito e a medida de sua pena não são tomados de seu ato mesmo (…).

§ 101

                O suprassumir do crime é a retaliação, (…) é (…) violação da violação, e em que o crime, segundo seu ser-aí, tem uma extensão qualitativa e quantitativa determinada, com isso, sua negação, enquanto ser-aí, tem também tal extensão. (…) essa identidade, que repousa sobre o conceito, não é a igualdade do caráter específico, porém no caráter sendo em si da violação, — [igualdade] segundo o valor da mesma.

                               Na ciência ordinária, a definição de uma determinação, aqui a da pena, deve ser tomada da representação geral da experiência psicológica da consciência[;] essa mostraria (…) que o sentimento universal dos povos e dos indivíduos, no caso do crime, é e foi o de que ele merece um pena e de que o criminoso deve sofrer o mesmo que ele fez. (…) essas ciências (…) admitem também em outra ocasião proposições que contradizem um tal pretendido fato universal da consciência. — (…) a determinação da igualdade introduziu uma dificuldade (…) na representação da retaliação; porém a justiça das determinações penais (…) é (…) posterior ao que a Coisa mesma tem de substancial. Mesmo que para essas determinações posteriores tivesse que buscar outros princípios para a universalidade da pena, essa permaneceria o que ela é. Somente o conceito mesmo tem de conter (…) o princípio fundamental também para o particular. (…) essa determinação do conceito é (…) essa conexão de necessidade, segundo a qual o crime, (…) vontade nula em si, contém por isso, dentro de si mesma, sua aniquilação, — que aparece como pena. A identidade interna é o que, no ser-aí exterior, se reflete para o entendimento enquanto igualdade. O caráter qualitativo e quantitativo do crime e de seu suprassumir cai (…) na esfera da exterioridade; nisso, (…) nenhuma determinação absoluta é possível (…); (…) fica, no campo da finitude, (…) uma exigência que o entendimento tem de limitar sempre mais (…) mas progride ao infinito e não admite senão uma aproximação que é perpétua. (…) o único culpável é a igualdade específica introduzida. O valor, enquanto igualdade interna de Coisas, (…) é uma determinação que já se apresenta (…) nos contratos (…) e, da mesma maneira, na ação civil contra um crime (§ 95), (…) pela qual a representação (…) é elevada até o universal. No caso do crime, (…) a determinação fundamental é o elemento infinito do ato, o elemento específico (…) exterior desaparece (…) e a igualdade permanece (…) a regra fundamental para o essencial, para o que o criminoso mereceu, mas não a da figura específica externa dessa retribuição. (…) Se não se apreende a conexão sendo em si do crime e de seu aniquilamento e (…) o pensamento do valor e da comparabilidade de um e de outro segundo o valor, pode-se chegar a ver numa pena (…) uma ligação apenas arbitrária entre um mal e uma ação proibida (Klein, Princípios do Direito Penal, § 9).

§ 102

                O suprassumir do crime é, nessa esfera de imediatidade do direito, inicialmente vingança, justa quando a seu conteúdo, na medida em que (…) é retaliação. (…) quanto à forma, (…) é ação de uma vontade subjetiva, que pode colocar sua infinitude em toda lesão ocorrida (…) como consequência, a justiça é (…) contingente, (…) como essa vontade (…) é apenas para o outro enquanto particular. A vingança (…) ação positiva de uma vontade particular, torna-se uma nova lesão: enquanto é essa contradição, cai (…) ao infinito e lega-se (…) até ser ilimitada.

                               Onde os crimes são perseguidos e punidos (…) enquanto crimes privados (…), a pena tem em si ainda ao menos uma parte e vingança. Diversa da vingança privada, é (…) vingança dos heróis (…) que intervêm no nascimento dos Estados.

§ 103

                A exigência de que seja resolvida essa contradição (…) aqui presente no modo de suprassumir do ilícito, é a exigência de uma justiça libertada do interesse e da figura subjetivos, assim como da contingência do poder, (…) de uma justiça que seja não vingadora, mas punitiva. Nisso reside, primeiramente, (…) exigência de uma vontade que enquanto vontade subjetiva particular queira o universal enquanto tal. (…) esse conceito de moralidade não é apenas (…) exigido, porém (…) surgido no próprio movimento.

Passagem do Direito Abstrato à Moralidade

§ 104

                (…) o crime e a justiça vingadora colocam a figura do desenvolvimento da vontade, enquanto se dirigiu para a diferenciação da vontade universal em si e da vontade singular sendo para si em face daquela, (…) em seguida, (…) a vontade sendo em si retornou para dentro de si pelo suprassumir dessa oposição (…) se tornou para si mesma e efetiva. Assim é e vale o direito, protegido contra a sua vontade singular que somente sendo para si, enquanto é efetivo por sua necessidade. — (…) é igualmente, ao mesmo tempo, a determinidade conceitual interna aperfeiçoada da vontade. Segundo seu conceito, a efetivação da vontade nela mesma é suprassumir o ser em si e a forma da imediatidade (§ 21) em que ela está inicialmente (…) que tem como figura o direito abstrato, — (…) pôr-se (…) na oposição da vontade universal sendo em si e da vontade singular sendo para si e, então, pelo suprassumir dessa oposição, pela negação da negação, determinar-se em seu ser-aí como uma vontade tal que não é apenas vontade livre em si, porém vontade livre para si mesma, como negatividade que se refere a si. A vontade, que no direito abstrato é apenas enquanto personalidade, de agora em diante tem essa por seu objeto; a subjetividade da liberdade, (…) infinita para si, constitui o princípio do ponto de vista moral.

                               Lançando um olhar retrospectivo mais próximo sobre os momentos pelos quais o conceito de liberdade se aperfeiçoou, da determinidade inicialmente abstrata da vontade até sua determinidade que está em relação consigo mesma, (…) até a autodeterminação da subjetividade, essa determinidade é, na propriedade, o meu abstrato (…) reside na Coisa exterior, — (…) é o meu mediatizado pela vontade e que é apenas meu comum, — no ilícito, a vontade é a esfera do direito, seu ser em si abstrato ou sua imediatidade, (…) posta como contingência pela vontade singular (…) contingente. No ponto de vista moral, a contingência é ultrapassada de tal maneira que (…) enquanto refletida dentro de si e idêntica consigo, é a contingência infinita sendo dentro de si da vontade, é sua subjetividade.

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Segunda Seção]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 106-114.

SEGUNDA SEÇÃO

O Contrato

§ 72

            A propriedade, cujo aspecto do ser-aí  ou da exterioridade não é mais apenas uma Coisa (…) contém dentro de si o momento de uma vontade (e, com isso, de outra vontade), vem a constituir-se pelo contrato — (…) o processo, no qual se expõe e se medeia a contradição, de que eu sou e permaneço um proprietário sendo para mim, que exclui a outra vontade, (…) em que numa vontade idêntica com a outra vontade eu deixo de ser proprietário.

§ 73

                (…) não apenas posso me alhear de uma propriedade (…), enquanto (…) Coisa exterior, porém é preciso, pelo conceito, que eu me alheie dessa propriedade enquanto propriedade, a fim de que minha vontade seja para mim objetiva enquanto sendo-aí. (…) minha vontade enquanto alheada é ao mesmo tempo uma outra vontade. (…) aquilo que essa necessidade do conceito é real é a unidade de vontades diferentes, na qual sua diferenciação e seu caráter próprio renunciam (…) a si. (…) essa identidade de sua vontade contém (nesse nível) igualmente o fato de que cada uma é e permanece para si uma vontade própria, não idêntica com a outra.

§ 74

                Essa relação é (…) a mediação de uma vontade idêntica na diferenciação absoluta de proprietários sendo para si e contém o fato de que cada um, por sua vontade e pela vontade do outro, deixa de ser, permanece e torna-se proprietário; — (…) mediação entre uma vontade de renunciar a uma propriedade (…) uma propriedade singular, e a vontade de receber uma (…) de um outro, (…) no contexto idêntico, em que um querer apenas chega à decisão, na medida em que a outra vontade está ali presente.

§ 75

                (…) as duas partes contratantes relacionam-se uma a outra como pessoas autônomas imediatas, o contrato α) procede do arbítrio; β) a vontade idêntica, que pelo contrato entra no ser-aí, é (…) uma vontade posta por elas [as partes…] (…) é apenas comum, não uma vontade em si e para si universal; γ) o objeto do contrato é uma Coisa exterior singular (…) somente uma tal Coisa está submetida a seu mero arbítrio de alheá-la (…).

                               Por isso o casamento não pode ser subsumido sob o conceito do contrato; essa subsunção está (…) em seu caráter infame, — deve-se dizer —, em Kant (…). — Tampouco a natureza do Estado reside na relação contratual (…). — A ingerência dessa relação contratual, (…) como das relações de propriedade privada em geral, nas relações estatais, produziu as maiores confusões no direito do Estado e na efetividade. (…) também, em período mais recente, os direitos do príncipe e do Estado foram considerados objetos de contrato e nele fundados como mero elemento comum da vontade, surgido do arbítrio dos que estão reunidos em um Estado. — (…) eles têm (…) transferido as determinações da propriedade privada para uma esfera que é de uma natureza outra e superior.

§ 76

                O contrato é formal (…) os dois consentimentos pelos quais a vontade comum vem a se constituir, o momento negativo da alheação de uma Coisa e o momento positivo da aceitação dela, estão repartidos entre os (…) contratantes — contradição de doação. — (…) ele pode ser chamado real na medida em que cada uma das duas vontades contratantes é a totalidade desses momentos mediadores (…) por isso ali se torna e permanece igualmente proprietário — contrato de troca.

§ 77

                Dado que, no contrato real, cada um conserva a mesma propriedade, com a qual ele entra e (…) ele cede, (…) essa propriedade que permanece idêntica, enquanto propriedade sendo em si no contrato, distingue-se das coisas exteriores, que na troca mudam seus proprietários. Essa propriedade é o valor, no qual os objetos do contrato (…) são iguais uns aos outros, é o universal das mesmas (…).

                               A determinação, segundo a qual uma laesio enormis [um enorme prejuízo] suprassume a obrigação subscrita por contrato, tem com isso sua fonte no conceito do contrato (…) no momento pelo qual, na alheação de sua propriedade, o contratante permanece proprietário, e (…) proprietário da mesma quantidade. (…) a lesão não é apenas enorme (…é chamada como tal quando ultrapassa a metade do valor), porém seria infinita, se fosse subscrito um contrato ou uma estipulação (…) para a alheação de um bem inalheável (…). — Uma estipulação, (…) é diferente de um contrato[:] primeiro, segundo seu conteúdo, (…) significa uma parte ou (…) momento singular qualquer do todo do contrato, em seguida (…) ela é a fixação do mesmo nas formalidades (…). Segundo o primeiro aspecto, a estipulação contém apenas a determinação formal do contrato, a de ser o consentimento de um para executar algo e o (…) do outro para aceita-lo; ela (…) vem a ser contada entre os (…) contratos unilaterais. A diferenciação dos (…) em unilaterais e bilaterais (…) no direito romano, são, de uma parte, composições superficiais, segundo um posto de vista singular (…) exterior, como o de seu tipo de formalidade[;] de outra parte, essas divisões misturam também (…) determinações que concernem à natureza do próprio contrato, outras que estão somente em relação com a administração do direito (actiones) e com os efeitos jurídicos que derivam da lei positiva, que (…) infringem o conceito de direito.

§ 78

                A diferença entre propriedade e posse, entre o aspecto substancial e o (…) exterior (§ 45), torna-se, no contrato, a diferença entre vontade comum, (…) convenção, e a efetivação dela pela execução. Essa convenção, quando teve lugar, para si, diferentemente da execução, é (…) representado, (…) é preciso (…) dar um ser-aí particular, segundo o modo próprio do ser-aí das representações em sinais (Enciclopédia das Ciências Filosóficas, § 379), na expressão da estipulação por formalidades dos gestos e de outras ações simbólicas (…) na declaração determinada pela linguagem, (…) elemento mais digno da representação espiritual.

                               A estipulação, segundo essa determinação, é (…) a forma pela qual o conteúdo, que é firmado no contrato, tem seu ser-aí como conteúdo somente representado. (…) o ato de representar é apenas forma e não tem o sentido de que o conteúdo seria (…) ainda algo subjetivo (…) a desejar ou a querer (…)[;] porém o conteúdo é (…) o ato conclusivo completado pela vontade.

§ 79

                A estipulação contém o lado da vontade, por isso o substancial do jurídico no contrato[;] frente a esse (…), a posse ainda subsistente, na medida em que o contrato ainda não foi cumprido, é apenas para si o exterior (…). Pela estipulação, eu renunciei a uma propriedade e ao arbítrio particular sobre ela, (…) se tornou prontamente propriedade de outro[;] por isso eu estou, de maneira imediata, por ela juridicamente vinculado à execução.

                               A diferença entre uma mera promessa e um contrato reside em que naquela, o que eu quero doar (…) é enunciado como (…) futuro (…) permanece (…) uma determinação subjetiva de minha vontade, que (…) posso ainda mudar. (…) a estipulação do contrato, ela mesma, já é ser-aí da minha decisão de vontade (…) que já alheei assim minha Coisa, que deixou agora de ser minha propriedade e que eu já reconheci como sendo (…) de outro. (…). — Fichte já fez a declaração de que a obrigação de respeitar o contrato inicia somente com o começo da execução por parte da outra pessoa, porque antes (…) não teria certeza de que o outro, ao externar-se, emitiu uma opinião séria; antes da execução, a obrigação seria (…) de natureza apenas moral (…). Somente a externação da estipulação não é uma externação em geral, (…) contém a vontade comum que veio a se constituir, na qual o arbítrio da disposição de espírito e de sua mudança se suprassumiu. (…) trata-se não da possibilidade de que o outro tenha sido ou se torne interiormente disposto de outra maneira (…), porém (…) se tem o direito disso. (…) Aquele modo de ver [de Fichte] mostra logo sua nulidade pelo fato de que o elemento jurídico do contrato seria colocado sobre a má infinitude, sobre o processo ao infinito (…). O ser-aí, que a vontade tem na formalidade do gesto ou da linguagem determinada para si, é já seu ser-aí completo, enquanto ser-aí da vontade intelectual, cuja execução é apenas a consequência desinteressada. (…) o fato de que há, no direito positivo, os (…) contratos reais, para diferenciar dos (…) contratos consensuais, (…) os primeiros sendo vistos como plenamente válidos se se acrescenta ao consentimento a execução efetiva (res, traditio rei), nada importa para a Coisa. (…) os contratos reais são os casos particulares em que é somente essa transferência que me põe em situação de poder executar, por minha parte (…) e em que minha obrigação de executar é somente em relação com a Coisa, na medida em que eu a tenha em mãos (…); — (…) não concerne à natureza da relação da estipulação para a execução, porém ao modo de executar[;] — de outra parte, resta (…) ao arbítrio estipular num contrato que a obrigação que uma das partes tem de executar não resida no contrato como tal, porém deve primeiro depender da execução pela outra parte.

§ 80

                A divisão dos contratos e um tratamento inteligível de suas espécies (…) não devem ser tirados de circunstâncias exteriores, porém de diferenças (…) na natureza do contrato mesmo. — Essas diferenças são a de contrato formal e a de (…) real, seguida a da propriedade e a da posse e uso, a do valor e da Coisa específica. (…) (A divisão dada aqui coincide no todo com a divisão kantiana […]).

                               A. Contrato de doação, no caso

                               1. de uma Coisa, a doação propriamente dita,

                               2. o emprestar de uma Coisa, enquanto doação de uma parte da Coisa ou do gozo ou do uso delimitado dela; quem empresta fica (…) proprietário da Coisa (mutuum e commodatum sem juros). A Coisa (…) ou é uma Coisa específica, ou, (…) mesmo se ela é também tal Coisa, é considerada (…) como (…) universal ou vale (…) como (…) Coisa universal para si.

                               3. doação de uma prestação de serviço (…), por exemplo do mero depósito de uma propriedade (depositum); — (…) doação de uma Coisa com a condição particular de que o outro se torne proprietário somente no instante da morte do doador (…) no instante em que esse (…) não é mais proprietário; a disposição testamentária não reside no conceito de contrato, porém pressupõe a sociedade civil-burguesa e uma legislação positiva.

                               B. Contrato de troca

                               1. Troca como tal:

                               α) de uma coisa em geral, isto é, de uma Coisa específica por uma (…) do mesmo tipo.

                               β) compra ou venda (emptio venditio); troca de uma Coisa específica por uma (…) que é determinada como universal, (…) que vale apenas como valor, sem outra determinação específica para utilização, — por dinheiro.

                               2. Locação (locatio conductio), alheação do uso temporário de uma propriedade por aluguel, no caso:

                               α) de uma Coisa específica, locação propriamente dita — ou

                               β) de uma Coisa universal, (…) quem empresta fique somente proprietário dela (…) do valor, — empréstimo (mutuum, também cada commodatum com um aluguel; — as demais qualidades empíricas da Coisa, (…) um capital, (…) utensílio, (…) casa etc., se ela for res fungibilis ou non fungibilis, introduz (…) outras determinações particulares (…) que (…) não são importantes [para as determinações universais]).

                               3. Contrato de salário (locatio operae), alheação de meu produzir ou de meu prestar serviços (…) na medida em que são alheáveis por um tempo delimitado (…).

                               São semelhantes a esse o mandato e outros contratos em que a execução repousa no caráter e na confiança ou em latentes superiores (…) onde intervém uma incomensurabilidade entre a prestação e um valor externo (que […] não se chama salário, porém honorário).

                               C. Cumprimento pleno de um contrato (cautio) pela penhora.

                               (…) contrato em que eu alheei a utilização de uma Coisa, eu não estou em posse da Coisa, mas sou ainda proprietário dela (…). (…) eu posso, por ocasião do contrato de troca, de compra ou de doação, tornar-me proprietário sem estar ainda em posse, (…) essa separação, em geral, intervém no que se refere a qualquer prestação, a não ser se tem lugar dar por dar. Que eu fique, (…) na efetiva posse do valor, enquanto está ainda ou já está na minha propriedade, ou que eu aceda a ela, então, no outro caso, sem estar em posse da Coisa específica que eu cedo ou que deve tornar-se minha, isso é provocado pelo penhor, — uma Coisa específica, mas que apenas é minha propriedade segundo o valor (…) que me é concedida em posse ou que me é devida e que (…) fica segundo sua qualidade específica e seu valor excedente propriedade de quem a penhora. A penhora (…) não é (…) um contrato, (…) apenas uma estipulação (§ 77) (…). — A hipoteca e a caução são suas formas particulares.

§ 81

                Na relação de pessoas imediatas, umas com as outras (…), sua vontade, como é idêntica em si e posta em comum por elas no contrato, é também um vontade particular. (…) é contingente que sua vontade particular esteja em concordância com a vontade sendo em si, (…). Enquanto vontade particular para si, diversa da vontade universal, ela intervém no arbitrário e na contingência do discernimento e do querer, como o que em si é direito, — o ilícito.

                               A passagem para o ilícito constitui a necessidade lógica superior que os momentos do conceito, aqui o direito em si, ou a vontade enquanto universal, e o direito em sua existência, (…) precisamente a particularidade da vontade, sejam postos como diversos para si, o que depende da realidade abstrata do conceito. — (…) essa particularidade da vontade para si é arbítrio e contingência, que, no contrato, eu renunciei apenas enquanto arbítrio sobre uma Coisa singular, mas não enquanto arbítrio e contingência da própria vontade.

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Filosofia do Direito [Primeira Seção – Parte IV]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 99-106.

C. Alheação da Propriedade

§ 65

                Eu posso me alhear (entäussern) da minha propriedade, pois ela somente é minha, na medida e quem eu coloco nela minha vontade, — de modo que (…) deixo minha Coisa enquanto sem dono (…em abandono) ou a entrego à vontade de outro em vista da posse — mas apenas (…) em que a Coisa é, segundo sua natureza, algo exterior.

§ 66

                Inalheáveis são (…) os bens (…) as determinações substanciais que constituem a minha pessoa mais própria e a essência universal da minha autoconsciência, como minha personalidade (…), a minha liberdade da vontade universal, minha eticidade, minha religião, (…) o direito a elas é imprescritível.

                               Que o espírito seja também no ser-aí e para si o que ele é segundo seu conceito ou em si (que ele seja […] pessoa capaz de propriedade, […] tenha eticidade, religião), — essa ideia é ela mesma seu conceito (como causa sui […] causa livre, ele é aquilo “cuja natureza apenas pode ser concebida como existente”. Espinosa, Ética, Prop. I, Def. I). (…) nesse conceito que consiste em ser o que ele é somente por si mesmo e enquanto retorno infinito para dentro de si, a partir da imediatidade natural de seu ser-aí, é que reside a possibilidade da oposição entre o que é somente em si e não também para si (…) como, inversamente, entre o que ele é somente para si e não em si (na vontade, o Mal); — e nisso reside a possibilidade da alheação (Entäusserung) da personalidade e de seu ser substancial — quer (…) suceda de uma maneira inconsciente ou expressa. (…) a alheação da racionalidade inteligente, da moralidade, da eticidade, da religião produzem-se na superstição, na autoridade e no pleno poder concedido a outros de determinar para mim e de me prescrever que ações devo cometer (…) o que é a obrigação de consciência, a verdade religiosa etc. — Com (…) suprassumir da exterioridade desaparecem a determinação do tempo e todas as razões que poderiam ser tiradas de meu consentimento ou de minha aquiescência (…). Esse retorno de mim a mim mesmo, (…) me torno existente enquanto ideia, enquanto pessoa jurídica e moral (…). — Esse retorno (…) descobre a contradição de ter cedido a outros a posse de minha capacidade jurídica, minha eticidade, minha religiosidade, que eu mesmo não possuía e que, tão logo as possuo, apenas existem essencialmente como minhas e não como algo exterior.

§ 67

                De minhas habilidades particulares, corporais e espirituais e de minhas possibilidades de atividade eu posso alhear em favor de outro as produções singulares e um uso delimitado no tempo, porque eles recebem, (…) com essa delimitação, uma relação exterior à minha totalidade e universalidade. Pela alheação de todo o meu tempo, concretizado pelo trabalho, e da totalidade de minha produção, eu faria do elemento substancial desses, da minha atividade e da minha efetividade universais, da minha personalidade, a propriedade de um outro.

                               É a mesma relação (…) entre a substância da Coisa e sua utilização; (…) essa não é diversa daquela senão (…) em que é delimitada, também o uso de minhas forças apenas é diferente dessas (…) mesmas e, com isso, de mim, na medida em que é quantitativamente delimitado; — a totalidade das externações de uma força é a mesma, — a dos acidentes, é a substância, — a totalidade das particularizações, é o universal.

§ 68

                O que tem de próprio na produção espiritual pode, por seu modo de externação, converter-se (…) nessa exterioridade de uma Coisa, que (…) pode ser (…) produzida por outros; (…) com sua aquisição, de agora em diante proprietário, (…) também pode apropriar-se dos pensamentos comunicados ou da invenção técnica, cuja possibilidade constitui por uma parte (no caso das obras literárias) a única determinação e o valor da aquisição, (…) pode tomar (…) posse do modo universal, que consiste em externar (…) e produzir tais Coisas em abundância.

                               No caso das obras de arte, a forma que põe em imagens o pensamento em um material exterior é, enquanto coisa, a tal ponto o próprio do indivíduo que a produz, (…) seu reproduzir é (…) produto da habilidade espiritual e técnica próprias. No caso de uma obra literária, a forma como ela é uma Coisa exterior é, como no caso da invenção de um dispositivo técnico, de tipo mecânico, (…) o pensamento é (…) exposto em uma série de sinais abstratos, isolados, e não por uma imaginar concreto[;] — no segundo porque tem aí (…) um conteúdo mecânico — (…) a maneira de produzir tais Coisas, enquanto Coisas, pertence às práticas correntes.

§ 69

                Como o adquirente de um tal produto possui no exemplar, enquanto singular, o pleno uso e valor desse, (…) ele é um proprietário completo e livre desse, enquanto singular, embora o autor do escrito ou o inventor do dispositivo técnico permaneça proprietário do modo universal de reproduzir tais produtos e Coisas, o qual, enquanto (…) universal, ele não alheou imediatamente, porém pode reservá-lo para si mesmo como externação própria.

                               A primeira questão é se tal separação da propriedade da Coisa e da possibilidade de produzir algo idêntico é admissível no conceito e se não suprassume a propriedade livre, plena — (…) cabe somente ao arbítrio do primeiro produtor espiritual conservar essa possibilidade para si ou de alheá-la enquanto valor ou de não colocar ali nenhum valor para si e de abandoná-la também com a Coisa singular. Essa possibilidade tem (…) algo de próprio (…) o de ser, na Coisa (…) não somente uma posse, porém um patrimônio[;] assim, essa reside no modo particular do uso externo, que é feito da Coisa e que é diverso e separável do uso a que a Coisa está imediatamente determinada (o uso não é […] uma “acessão natural”). A proteção meramente negativa, mas primordial, das ciências e das artes consiste em garantir os que ali trabalham contra o furto e assegurar a defesa de sua propriedade (…); (…) como o produto do espírito tem a determinação de ser apreendido por outros (…) e apropriado por sua representação, sua memória, seu pensamento, etc., (…) tem sua externação, pela qual eles fazem do que é apreendido uma coisa alheável (…) há sempre (…) alguma forma própria de modo que eles consideram o patrimônio que dela resulta como sua propriedade e podem (…) reivindicar para si o direito sobre tal produção. Em que medida a forma resultante dessa externação repetitiva transforma o tesouro científico existente (…) em particular os pensamentos de outros indivíduos, que têm ainda a propriedade exterior dos produtos de seu espírito, convertendo-os em propriedade espiritual especial do indivíduo que os reproduz — em que medida tal repetição se torna, em uma obra literária, um plágio, isso não se deixa indicar por uma determinação exata, nem fixar de maneira jurídica ou legal. O plágio (…) precisaria ser uma questão de honra e ser por ela contido. — Por isso as leis contra a contrafação preenchem seu fim, que é assegurar a propriedade dos escritores e dos editores em um período delimitado. A honra produziu seu efeito, que é eliminar o plágio, ou (…) porque o plágio deixou de ser contrário à honra e que seu sentimento desapareceu, ou (…) porque uma minúscula inspiração e a transformação de uma forma externa ostentam-se tão altamente como originalidade e como produção de um pensamento autônomo, que já não deixam, de modo algum, emergir em si o pensamento de um plágio.

§ 70

                A totalidade englobante da atividade exterior, a vida, não é (…) exterior frente à personalidade, (…) ela é essa personalidade e é de maneira imediata. A alheação ou o sacrifício [da vida] é antes o contrário, enquanto o ser-aí dessa personalidade. (…) eu não tenho de geral nenhum direito a essa alheação (…) apenas uma ideia ética, enquanto nela essa personalidade imediatamente singular está em si desvanecida e enquanto (…) é o poder efetivo sobre a personalidade, tem o direito disso, de modo que, (…) como a vida é (…) imediata, a morte também é negatividade imediata dessa vida[;] (…) é preciso que ela seja recebida de fora como (…) coisa natural (…) de uma mão estranha a serviço da Ideia.

Passagem da Propriedade ao Contrato

§ 71

                Enquanto ser determinado, o ser-aí é essencialmente ser para outro (…); a propriedade, segundo (…) é um ser-aí enquanto Coisa exterior, é para outras exterioridades e no contexto dessa necessidade e dessa contingência. (…) enquanto ser-aí da vontade, ele é, para outro, apenas enquanto para a vontade de uma outra pessoa. Essa relação de vontade a vontade é o terreno próprio e verdadeiro, no qual a liberdade tem ser-aí. Essa mediação (…) não mais somente pela mediação de uma Coisa e de minha vontade subjetiva, mas também pela (…) de uma outra vontade e, com isso, em uma vontade comum constitui (…) contrato.

                               Se para sua consciência o carecimento (…) é a benevolência, a utilidade etc. que os leva ao contrato, assim em si ele é a razão (…) a ideia do ser-aí real (quer dizer, apenas presente na vontade) da personalidade livre. — O contrato pressupõe que aqueles que o estabelecem se reconheçam como pessoas e como proprietários; (…) ele é uma relação do espírito objetivo, (…) o momento do reconhecimento já está nele contido e pressuposto (…).

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Filosofia do Direito [Primeira Seção – Parte III]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 95-99.

B. O Uso da Coisa

§ 59

                Pela tomada de posse, a Coisa recebe o predicado de ser minha, e a vontade tem com ela uma relação positiva. (…) a Coisa é (…) posta como um negativo, e minha vontade, nessa determinação, é uma vontade particular, carecimento, bel-prazer etc. (…) meu carecimento (…) particularidade de uma vontade é o positivo que se satisfaz e a Coisa (…) o negativo em si (…) é somente para ela e a serve. — O uso é essa realização do meu carecimento pela transformação, aniquilamento e consumo da Coisa, cuja natureza, desprovida de si, é assim manifestada e preenche sua determinação.

                               Que o uso seja o aspecto real e a efetividade da propriedade, a representação o entrevê confusamente, quando ela vê a propriedade, de que não se faz nenhum uso, como morta e sem dono, e quando, (…) ela menciona como razão que não foi usada pelo proprietário. — Mas a vontade do proprietário, segundo a qual uma coisa é sua, é a base substancial primeira, da qual a determinação ulterior, o uso, é somente o aparecimento e o modo particular que fica atrás dessa base universal.

§ 60

                A utilização de uma coisa, na apreensão imediata, é para si uma tomada de posse singular. (…) na medida em que a utilização se funda em um carecimento que perdura e é a utilização repetida de uma produto que se renova (…) essas circunstâncias e outras fazem dessa tomada singular imediata um sinal de que ela de ter a significação de uma tomada de posse universal, e por isso da tomada de posse da base elementar ou orgânica ou das outras condições de tais produtos.

§ 61

                Como, para si, a substância da Coisa que é minha propriedade é sua exterioridade (…) sua não-substancialidade, — ela não é, frente a mim, fim último dentro de si mesma (§ 42) — e como essa exterioridade realizada é o uso ou utilização que faço dela, o pleno uso (…) da Coisa em sua extensão total (…), se esse uso me compete, eu sou proprietário da Coisa, da qual, além da extensão total do uso, nada permanece que pudesse ser propriedade de um outro.

§ 62

                Por isso apenas um uso parcial ou temporário, assim como uma posse parcial ou temporária que me compete (enquanto possibilidade ela mesma parcial ou temporária de usar a Coisa) — é diferente da propriedade da Coisa mesma. Se a extensão total do uso fosse meu, mas a propriedade abstrata devesse ser de um outro, a Coisa seria, enquanto minha, (…) penetrada por minha vontade (…) e seria ao mesmo temo (…) impenetrável para mim: a vontade, na verdade vazia, de um outro — enquanto vontade positiva, eu [seria] para mim na Coisa, ao mesmo tempo, objetivo e não-objetivo (…). — Por isso, a propriedade é essencialmente propriedade livre, plena.

                               A diferenciação entre o direito à extensão total do uso e a propriedade abstrata pertence ao entendimento vazio, para o qual não é verdadeira a ideia, (…) enquanto unidade da propriedade ou (…) da vontade pessoal (…) e da realidade dessa, porém, para ele, esses dois momentos valem como algo de verdadeiro em sua separação (…). (…) essa diferenciação, enquanto relação efetiva, (…) poderia ser chamada de loucura da personalidade (…) porque o meu deveria ser a minha vontade singular excludente e uma outra vontade singular excludente, sem mediação, em um objeto. — Nas Institutas (livro II, título IV), se afirma: “Usufruto é o direito de usar e fruir das coisas do outro, ressalvada a substância das Coisas”. Diz-se, em seguida (…): “Para que as propriedades não fossem completamente inúteis, se o usufruto estivesse sempre separado delas, foi do agrado que (…) se extinguisse (…) e assim se voltasse à propriedade”. (…) Uma “propriedade com o usufruto sempre excluído” não seria apenas “inútil”, porém não seria mais uma propriedade. (…) — Mas as relações do “domínio direto” e do “domínio útil”, do contrato enfitêutico e outras (…), em suas múltiplas determinações  quando tais encargos são inamissíveis, contêm, em parte, a diferenciação precedente, e por outra parte, não a contém, na medida (…) que (…) estão ligados ao “domínio útil”, pelos quais o “domínio direto” torna-se ao mesmo tempo um “domínio útil”. Se essas relações não contivessem senão essa diferenciação em sua rigorosa abstração, (…) não dois senhores (domini) aí se enfrentariam, mas um proprietário e um senhor vazio. Mas, por causa dos encargos, são dois proprietários (…). Contudo, eles não estão numa relação de propriedade comum. (…) reside uma passagem de uma para outra; — uma passagem que já começou quando a renda ligada ao “domínio útil” é calculada e vista como essencial e, por isso, o incalculável sobre o senhorio sobre uma propriedade (…) é colocado depois do “domínio útil”, que é aqui o racional.

 § 63

                A Coisa no uso é uma Coisa singular, determinada segundo a qualidade e a quantidade e em relação a um carecimento específico. Mas sua utilidade específica é (…) enquanto determinada quantitativamente, comparável com outras coisas da mesma utilidade, assim como o carecimento específico a que ela serve é (…) carecimento em geral e nisso é, quanto à sua particularidade, igualmente comparável a outros (…) e, em consequência, a Coisa também é comparável com outras, que são utilizáveis para outros carecimentos. Essa sua universalidade, cuja determinidade simples surge da particularidade da Coisa, de modo que (…) torna-se abstraída dessa quantidade específica, é o valor da Coisa, no qual a substancialidade verdadeira da Coisa é determinada e é objeto da consciência. Enquanto proprietário pleno da Coisa, eu sou proprietário tanto de seu valor como de seu uso.

                               O feudatário tem em sua propriedade a diferença de que ele deve ser somente proprietário do uso e não do valor da Coisa.

§ 64

                A forma e o sinal dados à posse são (…) circunstâncias exteriores, sem a presença subjetiva da vontade, que constitui sozinha sua significação e seu valor. (…) essa presença, que é o uso, (…), intervém no tempo, em consideração ao qual a objetividade é a duração dessa externação. Sem essa, a Coisa, enquanto abandonada pela efetividade da vontade e da posse, torna-se sem dono; por isso eu perco ou adquiro uma propriedade por prescrição.

                               (…) a prescrição não foi introduzida no direito de um ponto de vista meramente exterior, que estaria em oposição com o direito estrito (…). Ao contrário, a prescrição, se funda na determinação da realidade da propriedade, da necessidade de que a vontade, para ter algo, se externe.

[Foto: Retrato de Hegel por Wilhelm Hensel,1829.]

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Primeira Seção – Parte II]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 91-95.

A. Tomada de Posse

§ 54

                A tomada de posse é, em parte, a apreensão corporal imediata, em parte, o dar forma, em parte, a simples designação.

§ 55

                α) A apreensão corporal é (…) o modo mais completo, pois (…) estou imediatamente presente e (…) minha vontade é (…) conhecível; mas ela é (…) somente subjetiva, temporária e sumamente delimitada quanto ao âmbito, (…) também pela natureza qualitativa dos objetos. — O âmbito dessa tomada de posse é um tanto estendido pela conexão que posso estabelecer entre alguma coisa e as Coisas de que já sou (…) proprietário (…).

                               Forças mecânicas, armas, instrumentos estendem o domínio do meu poder. — Conexões, como o mar ou e um rio banhando meu terreno, um terreno propício à caça, à pastagem ou a outra utilização, limítrofes à minha propriedade estável, pedras e outras jazidas minerais sob meu campo, tesouros (…) ou então conexões que se produzem apenas no tempo e de modo contingente (…) —, a foetura é (…) uma acessão ao meu patrimônio, mas enquanto relação orgânica não é algo que se acrescente  do exterior a outra Coisa, possuída por mim, e por isso de uma espécie totalmente outra (…)[;] — tais conexões são, de um lado, possibilidades em parte exclusivas e tomar posse mais facilmente de alguma coisa ou para um possuidor utilizá-la contra um outro[;] por outro lado, o que se acrescenta pode ser visto como um acidente, não-autônomo, da Coisa a que se agregou. (…) são (…) os encadeamentos exteriores, que não têm por vínculo o conceito ou a vitalidade (…) cabem ao entendimento (…).

§ 56

                   β) Pelo dar forma, a determinação segundo a qual algo é meu recebe uma exterioridade subsistente para si e deixa de ser delimitada à minha presença nesse espaço e nesse tempo e à presença de meu saber e de meu querer.

                               O dar forma é (…) a tomada de posse mais adequada à ideia, porque (…) reúne em si o subjetivo e o objetivo, aliás, infinitamente diverso segundo a natureza qualitativa dos objetos e (…) a diversidade dos fins subjetivos. — Pertence também a isso o dar forma ao orgânico, pelo qual o que eu faço não permanece como algo exterior, porém se torna assimilado;

§ 57

                O homem é, segundo a existência imediata, em si mesmo algo natural, externo a seu conceito; é apenas pela formação de seu corpo e de seu espírito próprios, essencialmente pelo fato de que sua autoconsciência se apreende como livre, que ele toma posse de si e se torna propriedade de si mesmo e em relação aos outros. Esse tomar posse é, ao contrário (…) o pôr na efetividade o que ele é segundo seu conceito (enquanto uma possibilidade, faculdade, disposição)[;] somente dessa maneira é posto [o que ele é segundo o seu conceito], antes da simples autoconsciência e, assim, se torna capaz de receber a forma da Coisa.

                               (…) A afirmação do absoluto ilícito da escravidão atém-se (…) ao conceito do homem como espírito, enquanto o que é livre em si, e é unilateral tomar o homem enquanto livre por natureza ou (…) tomar o conceito (…) em sua imediatidade, [e] não a ideia. Essa antinomia repousa (…) sobre o pensamento formal que mantém e afirma os dois momentos de uma ideia, enquanto separados, cada um por si, e (…) não adequada à ideia e em sua não-verdade. O espírito livre consiste (§ 21) em não ser (…) mero conceito ou em si, porém em suprassumir esse formalismo de si mesmo e, com isso, a existência natural imediata e dar-se a existência somente enquanto sua, enquanto existência livre. O aspecto da antinomia, que afirma o conceito da liberdade, tem (…) a vantagem de conter o ponto de partida absoluto, mas somente o (…) para a verdade, mas também apenas o ponto de partida, ao passo que o outro aspecto, que resta à existência desprovida de conceito, não contém (…) o aspecto da racionalidade e do direito. O ponto de vista da vontade livre, com o qual começam o direito e a ciência do direito, situa-se já além do ponto de vista não-verdadeiro, segundo o qual o homem enquanto ser natural  e enquanto conceito somente sendo em si é, por isso, suscetível de escravidão. (…) Mas que o espírito objetivo, o conteúdo do direito não seja (…) de novo apreendido somente no seu conceito subjetivo, e assim de fato que o homem, em si e para si, não seja determinado à escravidão, não seja de novo apreendido como um mero dever-ser, isso somente intervém no conhecimento de que a ideia de liberdade é verdadeira apenas enquanto Estado.

§ 58  

               γ) A tomada de posse não efetiva para si, mas que representa somente minha vontade, é um sinal na Coisa, cuja significação deve ser que coloquei nela minha vontade. (…) é muito indeterminada quanto à extensão objetiva e à significação.

Publicado em Ciência Política, Estudos Sociológicos, Filosofia, Hegelianismo, Idealismo, Literatura, Sociologia, Teoria Política, Teoria Social

Filosofia do Direito [Primeira Seção – Parte I]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 83-91.

PRIMEIRA SEÇÃO

A Propriedade

§ 41

                A pessoa precisa se dar uma esfera externa de sua liberdade, a fim de ser enquanto ideia. Porque a pessoa é a vontade infinita sendo em si e para si nessa determinação primeira (…) totalmente abstrata, (…) seu aspecto diferenciado, que pode constituir a esfera de sua liberdade é (…) determinado como o que é imediatamente diverso e separável dela.

§ 42

                O que é imediatamente diverso do espírito livre é, para ele e em si, o exterior (…) — uma  Coisa, algo de não-livre, de impessoal e desprovido de direito.

                               Coisa tem, como o objetivo, significações opostas[;] (…) quando se diz: isto é a Coisa, é à Coisa e não à pessoa que cabe a significação do substancial; (…) frente à pessoa (…não frente ao sujeito particular), a Coisa é o contrário do substancial, o que é somente exterior segundo sua determinação. — O que é exterior para o espírito livre (…) é em si e para si[;] por isso a determinação conceitual da natureza é ser, nela mesma, o exterior.

§ 43

                A pessoa, enquanto conceito imediato e, por isso, também essencialmente [indivíduo] singular, tem uma existência natural, em parte, em si mesma, em outra parte, (…) com o que se relaciona com o mundo exterior. — É apenas nessas Coisas que são imediatamente tais, e não determinações que são capazes de se tornar Coisas pela mediação da vontade, (…) aqui se fala (…) da pessoa (…) em sua imediatidade primeira.

                               (…) Pode-se perguntar se o artista, o sábio etc. estão em posse jurídica de sua arte, de sua ciência, de sua capacidade de fazer uma pregação, de dizer a missa etc., quer dizer, se tais objetos são Coisas. Haverá escrúpulo em chamar Coisas essas aptidões, conhecimentos (…) sendo dado que, de uma parte, se negocia e contrata a propósito de uma posse desse tipo, como a propósito de Coisas, mas, de outra parte, é algo de interno e espiritual[;] (…) Conhecimentos, ciências, talentos etc. são, na certa, próprios do espírito livre e são algo que lhe é interior e não exterior, mas pode também dar-lhes um ser-aí exterior pela externação e alheá-los (…) porque eles são postos sob a determinação de Coisas. (…) — No direito abstrato, que somente tem por objeto a pessoa como tal, e também por isso o particular que pertence ao ser-aí e à esfera de sua liberdade, somente na medida em que esse particular é (…) separável e imediatamente diverso dela, quer essa propriedade constitua sua determinação essencial, quer ela possa recebê-la por mediação da vontade subjetiva, aptidões (…), ciências etc. entram em consideração apenas segundo sua posse jurídica; a posse do corpo e do espírito, que é adquirida pela cultura, pelo estudo, pelo costume etc. e que é uma propriedade interna do espírito, não vai ser tratada aqui. (…)

§ 44

                A pessoa tem o direito de colocar sua vontade em cada Coisa, que se torna por isso a minha e recebe minha vontade por seu fim substancial, que ela em si mesma não tem, por sua determinação e por sua alma, — direito de apropriação absoluto do homem sobre todas as Coisas.

                               (…) Se para a consciência, para o intuir e para o representar as pretensas coisas-externas tem a aparência da autonomia, a vontade livre, ao contrário, é o idealismo, a verdade de tal efetividade.

§ 45

                O fato de que eu tenha algo em meu poder mesmo externo constitui a posse, (…) como o aspecto particular (…) o qual eu faço algo ser meu por carecimento natural, por impulso e por arbítrio é o interesse particular da posse. Mas o aspecto (…) o qual eu sou, enquanto vontade livre, objetivamente para mim, e somente assim sou vontade efetiva, constitui o que há aí dentro de verdadeiro e de jurídico, a determinação da propriedade.

                               (…) a posição verdadeira [da questão] é que, do ponto de vista da liberdade, a propriedade é, enquanto primeiro ser-aí dela, fim essencial para si.

§ 46

                Como na propriedade, a minha vontade enquanto pessoal, por isso (…) vontade do [indivíduo] singular, torna-se objetiva para mim, ela recebe (…) o caráter de propriedade privada, e a propriedade comunitária, que, segundo sua natureza, pode ser possuída separadamente, recebe a determinação de uma comunidade em si dissolúvel, em que deixar minha quota-parte é por si coisa do arbítrio.

                               Segundo sua natureza, a utilização de objetos elementares não é suscetível de ser particularizada em posse privada. (…) Mas as determinações que concernem à propriedade privada podem ser necessariamente subordinadas a esferas superiores do direito, a uma comunidade, ao Estado, como é o caso (…) da propriedade do que se chama pessoa moral, da propriedade de mão-morta. No entanto, tais exceções não podem ser fundadas no acaso (…), mas somente no organismo racional do Estado. — A ideia do Estado platônico contém o ilícito contra a pessoa, ao considerá-la, enquanto princípio universal, incapaz de propriedade privada. A representação de uma fraternização piedosa, amigável ou mesmo obrigatória dos homens com comunidade de bens e do banimento da propriedade privada pode oferecer-se (…) à disposição do espírito que desconhece a natureza da liberdade do espírito e do direito (…).

§ 47

                Enquanto pessoa, sou eu mesmo imediatamente [indivíduo] singular, — o que quer dizer, inicialmente, (…): eu sou vivo nesse corpo orgânico, que é, quanto ao conteúdo, meu ser-aí externo, indiviso, universal, a possibilidade real de todo ser-aí mais determinado. Mas, enquanto pessoa, (…) tenho ao memo tempo minha vida e corpo, como outras Coisas, apenas na medida em que é minha vontade.

                               O fato de que eu sou vivo e tenho um corpo orgânico não segundo o aspecto pelo qual existo sendo para si, mas como o conceito imediato, repousa sobre o conceito da vida e do espírito enquanto alma (…).

                               Eu tenho esses membros, a vida, apenas na medida em que eu quero; o animal não pode mutilar-se ou suicidar-se, mas o homem pode.

[Aqui Hegel se engana e os argumentos desse parágrafo parcialmente (talvez totalmente?) caem por terra, pois, com o avanço da Ciência, de experimentos com animais e do estudo da Medicina Veterinária, comprovou-se que animais podem sim mutilar-se e inclusive suicidar-se.]

§ 48

                O corpo, na medida em que ele é ser-aí imediato, não é adequado ao espírito; para ser um órgão dócil e um meio animado desse, (…) precisa primeiro ser tomado em posse pelo espírito (§57). — Mas, para outros, eu sou essencialmente um ser livre em meu corpo, tal como o tenho imediatamente.

                               Somente porque (…) sou vivo enquanto ser livre no corpo, não é permitido abusar desse ser-aí vivo, fazendo dele animal de carga. Na medida em que eu vivo, minha alma (o conceito, e de maneira mais elevada, o livre) e meu corpo não estão separados, esse é o ser-aí da liberdade, e nele eu sinto. (…) Eu posso retirar-me de minha existência e mim e torná-la exterior — [eu posso] manter a sensação  particular fora de mim e ser livre nas cadeias. Mas isso é minha vontade, para o outro eu estou em meu corpo; livre para o outro, eu não sou livre senão no ser-aí; (…). Violência cometida por outros contra meu corpo é violência cometida contra mim.

                               Pelo fato de que eu sinto, o contato e a violência contra meu corpo atingem-me imediatamente enquanto efetivo e presente[;] isso faz a diferença entre a ofensa pessoal e a violação da minha propriedade externa, pelo que minha vontade não está nessa presença e efetividade externas.

§ 49

                Na relação com as coisas exteriores, o racional é que eu possua propriedade; mas o aspecto do particular compreende os fins subjetivos, os carecimentos, o arbítrio, os talentos, as circunstâncias externas etc. (§45); disso depende a posse (…) mas esse aspecto particular, nessa esfera da personalidade abstrata, não está ainda posta como idêntica à liberdade. Por isso o que e quanto eu possuo é uma contingência jurídica.

                               Na personalidade, as várias pessoas são iguais, (…) em que não se intervém ainda nenhuma diferença desse tipo. Mas isso é uma proposição tautológica vazia; pois a pessoa, enquanto termo abstrato, é precisamente o que não é ainda particularizado e posto na diferença determinada. — A igualdade é a identidade abstrata do entendimento, à qual sucumbe, primeiramente, o pensamento que reflete, (…) por isso a mediocridade do espírito (…) quando se encontra diante da relação da unidade com uma diferença. (…) a igualdade seria apenas (…) das pessoas abstratas enquanto tais, a igualdade fora da qual cai (…) tudo o que concerne à posse, esse terreno da desigualdade. (…) — Não se pode falar de uma injustiça da natureza a propósito de uma repartição desigual da posse e do patrimônio, pois a natureza não é livre, e por isso não é nem justa nem injusta. Que todos os homens devam ter os recursos para atender a seus carecimentos, de um lado, é um desejo moral, (…) enunciado nessa indeterminidade, é certamente bem-intencionado, mas (…) o meramente bem-intencionado nada tem de objetivo[;] de outro lado, os recursos são algo diferente da posse e pertencem a outra esfera, à sociedade civil-burguesa.

§ 50

                Que a coisa pertença a quem, de modo contingente, toma posse dela primeiro no tempo é uma determinação supérflua, que se compreende imediatamente, porque um segundo indivíduo não pode tomar posse do que já é propriedade de um outro.

[Hegel equivoca-se novamente, de acordo com o direito atual, pois não mais o indivíduo que tomou posse de uma coisa primeiro necessariamente terá para sempre o usufruto desta.]

§ 51

                Para a propriedade, enquanto ser-aí da personalidade, minha representação e minha vontade interiores de que algo deva ser meu não são suficientes, porém se exige, (…) a tomada de posse. O ser-aí, que esse querer adquire dessa maneira, inclui em sua cognoscibilidade pelos outros. — O fato de que a Coisa, da qual eu tomo posse, seja sem dono é (como no §50) uma condição negativa, que se compreende de si, (…) à relação antecipada aos outros.

§ 52

                A tomada de posse faz da matéria da Coisa minha propriedade, pois a matéria não é própria para si.

                               A matéria me oferece resistência (…ela é apenas isso…) (…) me mostra seu ser-para-si abstrato somente enquanto sou espírito abstrato, (…) enquanto espírito sensível (de maneira errônea, a representação sensível toma o ser sensível do espírito pelo concreto, e o racional, por abstrato), mas a respeito da vontade e da propriedade esse ser-para-si da matéria não tem verdade alguma. (…) a maneira de apoderar-se e de apossar-se tem um sentido infinitamente múltiplo e (…) uma delimitação e uma contingência infinitas. (…) o gênero e o elementar como tais não são objeto da singularidade pessoal; para vir-a-ser tal e para poder ser apreendido, é preciso que seja singularizado (…). Na impossibilidade de poder tomar posse de um gênero exterior como tal e do elementar, a impossibilidade física não deve ser (…) uma última instância; (…) ao contrário, é o fato de que a pessoa, enquanto vontade, se determina como singularidade e que, enquanto pessoa, é ao mesmo tempo uma singularidade imediata e, com isso, se relaciona (…) ao exterior como às singularidades (§13 Anotação, §43). — Por isso o apoderar e a posse exterior tornam-se, de uma maneira infinita, mais ou menos indeterminadas e incompletas. Mas nunca há matéria sem uma forma essencial, e apenas por essa ela é algo. Quanto mais me aproprio dessa forma, tanto mais chegarei à posse efetiva da Coisa. (…) A formação de meu corpo orgânico em vista de aptidões como também a cultura de meu espírito são igualmente uma tomada de posse e uma penetração mais ou menos completas; é do espírito que eu posso apropriar-me da maneira mais completa. (…) essa efetividade da tomada de posse é diversa da propriedade (…) que é completada pela vontade livre. (…) a Coisa não conserva para si algo que lhe seja próprio, mesmo se na posse, (…) uma relação exterior, permanece ainda uma exterioridade. É preciso que o pensamento venha a ser senhor sobre a abstração vazia de uma matéria sem propriedades, que, na propriedade, deveria permanecer fora de mim e própria da Coisa.

§ 53

                A propriedade tem suas determinações (…) na relação da vontade à Coisa; a qual é α) imediatamente tomada de posse, (…) a vontade tem seu ser-aí na Coisa como algo positivo; β) na medida em que a Coisa é algo negativo em face à vontade, (…) tem seu ser-aí nela como algo a negar, — uso; γ) a reflexão da vontade dentro de si a partir da Coisa – alheação; — juízo positivo, negativo e infinito da vontade sobre a Coisa.

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Filosofia do Direito [Primeira Parte]

HEGEL, G. W. F. Filosofia do direito. Tradução: Paulo Meneses et al. 1. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010, p. 79-83.

O DIREITO ABSTRATO

§ 34

                A vontade livre em si e para si, (…) como é em seu conceito abstrato, está na determinidade da imediatidade. (…) a vontade é sua própria efetividade negativa em relação à realidade, (…) que está em relação, abstratamente, consigo mesma — vontade dentro de si singular de um sujeito. Segundo o momento da particularidade da vontade, essa tem um conteúdo ulterior [feito] de fins determinados e, enquanto singularidade excludente, ao mesmo tempo tem em vista (…) como um mundo externo, imediatamente encontrado diante de si.

§ 35

                A universalidade dessa vontade livre para si mesma é formal, relação simples, consciente de si, (…) por outro lado, desprovida de conteúdo para si em sua singularidade, — o sujeito é (…) pessoa. Na personalidade reside que eu, enquanto este, sou finito e perfeitamente determinado sob todos os aspectos (no arbítrio, no impulso…, assim como… o ser-aí exterior imediato), contudo sou simplesmente pura relação a mim e, na finitude, conheço-me enquanto o infinito, o universal e o livre.

                               A personalidade começa somente na medida em que o sujeito não tem simplesmente (…) uma autoconsciência como de um eu concreto, determinado dessa ou daquela maneira, mas (…) tem antes uma autoconsciência de si como a de um eu perfeitamente abstrato, no qual todo caráter delimitado e todo valor concreto são negados e desprovidos de validade. Por isso, na personalidade está o saber de si como objeto, mas como (…) elevado pelo pensamento à infinitude simples e, por isso, puramente idêntico consigo. Indivíduos e povos não têm ainda nenhuma personalidade enquanto (…) não chegaram a esse pensamento e saber puro de si. O espírito sendo em si e para si distingue-se desse modo do espírito que aparece[:] na mesma determinação em que esse último é somente autoconsciência — consciência de si, mas somente segundo a vontade natural e as oposições ainda exteriores dela, (…) o espírito tem por objeto e fim a si mesmo enquanto eu abstrato (…) enquanto eu livre, e assim é pessoa.

§ 36

                1. A personalidade contém (…) a capacidade jurídica e constitui o conceito e a base, também abstrata, do direito abstrato e, por isso, formal. O imperativo jurídico é (…): sê uma pessoa e respeita os outros enquanto pessoas.

§ 37

                2. A particularidade da vontade é (…) um momento da consciência total da vontade (§ 34), mas ainda não está contida na personalidade abstrata (…). (…) ela está na certa presente ali, mas enquanto ainda diferente da personalidade, da determinação da liberdade, (…) desejo, carecimento, impulsos, bel-prazer contingente etc. — No direito formal, por isso, o interesse particular, minha utilidade e meu bem-estar não entram em consideração — tampouco o fundamento determinante particular de minha vontade, do discernimento e da intenção.

§ 38

                A respeito da ação concreta e das relações morais e éticas, o direito abstrato apenas é (…) uma possibilidade[;] por isso a determinação jurídica é apenas uma permissão ou competência. Pelo (…) fundamento dessa (…) abstração, (…) delimita-se ao aspecto negativo de não lesar a personalidade e o que deriva dela. Não há (…) senão proibições jurídicas (…) a forma positiva dos imperativos jurídicos tem (…) as proibições por fundamento.

§ 39

                3. A singularidade da pessoa, que é imediata e que decide, relaciona-se com uma natureza que aí se encontra, à qual se opõe (…) a personalidade da vontade, enquanto algo subjetivo, mas para ela, enquanto infinita e universal dento de si, a delimitação que consiste em ser apenas subjetiva é contraditória e nula. Ela é o que atua para suprassumir essa delimitação e para se dar realidade ou (…) para pôr esse ser-aí como o seu.

§ 40

                O direito é, primeiramente, o ser-aí imediato, que a liberdade se dá de maneira imediata:

                a) Posse que é propriedade; — a liberdade é, aqui, a vontade abstrata em geral (…) por isso mesmo, a de uma pessoa singular que apenas se relaciona a si.

                b) A pessoa, diferenciando-se de si, relaciona-se com uma outra pessoa, e precisamente ambas têm ser-aí uma para a outra somente como proprietários. Sua identidade sendo em si recebe um existência pela passagem da propriedade de um para a de outro (…) — no contrato.

                c) A vontade enquanto (a) na sua relação a si não se diferencia de outra pessoa (b), mas somente dentro de si mesma ela é, enquanto vontade particular, diversa de si e oposta a si, enquanto vontade sendo em si e para si,ilícito e crime.

                               A divisão de direito em direito das pessoas, direito das Coisas e direito às ações tem primeiro por fim (…) pôr em uma ordem exterior a massa de matéria inorgânico que se tem sob os olhos. Nessa divisão, reina (…) a confusão de misturar os direitos que têm por pressupostos relações substanciais com a família e o Estado e direitos que estão em relação com a simples personalidade abstrata. Nessa confusão está a divisão kantiana (…). Aqui já se manifesta que apenas a personalidade dá um direito às Coisas e (…) por isso o direito pessoal é essencialmente direito das Coisas — entende-se Coisa no sentido universal, como o que é, de modo geral, exterior à liberdade, aquilo de que fazem parte meu corpo, minha vida. Esse direito das Coisas é o direito da personalidade como tal. (…) O conteúdo do chamado direito pessoal romano refere-se não somente ao direito sobre escravos, (…) mas também às relações familiares. Em Kant, as relações familiares são plenamente os direitos pessoais de espécie real. — Por isso o direito romano das pessoas não é o direito da pessoa enquanto tal, mas, pelo menos, o da pessoa particular; (…) maneira perversa de tratar o direito da pessoa determinada particularmente antes do direito universal da personalidade. — Os direitos pessoais em Kant são direitos que nascem de um contrato que eu dou, executo algo (…); objetivamente um direito que procede de um contrato não é um direito sobre uma pessoa , mas (…) sobre algo que lhe é exterior (…), é sempre (…) sobre uma coisa.